domingo, 31 de dezembro de 2017

2017.

Mais um dia 31 de Dezembro. 
O tempo, sempre esse, parece que foi ainda mais veloz em 2017...

Acordo nostálgica. Parada. A olhar o vazio durante o pequeno-almoço, sem apetecer alterá-lo.

Menos por causa do último dia do ano, mais por ter tomado Flexiban ontem à noite. As dores na cervical estavam difíceis de suportar. Dormi no sofá até às tantas, depois na cama, e acordei sem força para as tarefas do dia. 

Ao lado, o meu marido está cheio de energia. Na cozinha, às dez da manhã já a preparar o jantar, todo contente. Gosta de cozinhar. Admiro-o.
Eu, de péssimo humor, protesto. Vai sobrar, há tanta gente a passar fome, é um desperdício, caramba, estamos de dieta, não podes parar um bocadinho? Responde-me com carinho e fico sem saber o que dizer.

Fujo para o sótão. Tenho saudades do vagar deste dia, quando, sem programa nem convidados em casa, vagabundava pela casa e me arrastava do pequeno-almoço para o computador, em pijama, para escrever.

Releio as minhas escritas deste dia que o Facebook trás. Textos que escrevi nos últimos anos e de que gosto. Exprimem o que penso, não há nada a acrescentar. Está lá tudo.

Sinto que em 2017 destreinei. Não pratiquei o suficiente. Fui desistindo. O que me faz sofrer. Desculpo-me com a falta de tempo sossegado, só meu, sem horas. Mas sei que não me disciplinei para o ter. O Facebbok, o Whatsapp, o Linkedin, ocupam tempo demais. Não gosto.

Passei boa parte do primeiro semestre a planear com entusiasmo a escrita dum livro. Estrutura, personagens, história. Tudo como aprendido e estudado. A história ainda quente na minha cabeça, a minha?

Quando pus a mão na massa, saíu tudo mal, sem qualidade. Antes de desistir, dei a ler a uma amiga com o pedido de sinceridade. O que aconteceu na resposta: podes fazer muito melhor, assim não dá. Falei com uma escritora cujos livros sorvi e fui percebendo que não pode ser como idealizei. Não é o destino. A verdade é que não li os clássicos gregos nem sei o suficiente de mitologia grega. Razão tem o Mário Carvalho que diz que é essencial.

Tenho esta coisa do livro pendente em mim desde pequena. Não sei exactamente com que idade, mas sei que foi antes dos treze, escrevi um livro de aventuras ao estilo dos Cinco. Numa sebenta, aliás duas. Quando viemos viver para Lisboa, foi para o lixo no meio de tantas tralhas que a minha mãe deixou para trás. Ainda hoje sinto um nó na garganta por ter perdido esses cadernos. 

Toda a vida, toda, a minha cabeça fervilhou com ideias e frases, histórias e pormenores, para o tal livro. Mas a vida, trabalho, filho, casa não deixavam espaço. E agora acho que estou demasiado feliz para o fazer. Ou tenho preguiça. Ou sou apenas realista. Há milhares de pessoas a escrever. É mais fácil contar pelos dedos quem não o fez. Decidi aproveitar o tempo para ler.

Tenho pena que o tema que queria tratar não apareça na literatura. Que eu saiba. 
Da forma que vivi. A vida das mulheres que trabalham em empresas, em Portugal, no século XXI. Não no Estado nem no Ensino. Mas no sector privado. Que não dão nas vistas. Que não têm poder. Que seguem invisíveis no seu dia-a-dia. Que são alvo de muita discriminação. Que persistem. Que fazem acontecer.

O livro, não a edição, a escrita, era um objectivo para 2017 que não alcancei. 

Deste ano, que acaba, também guardo outra angústia. A percepção que, no campo profissional, já não tenho valor. Que a experiência ou o saber num campo específico, que representou trinta anos da minha vida, não interessam nada hoje. 

Já o sabia, claro. Todos sabemos mas é diferente quando o sentimos na pele, quando o vivemos e percebemos que não há volta a dar à idade, à miserabilidade dominante, à falta de valores e respeito pelo outro que são a lei actual. Repugna-me.

Claro que podia ter que continuar a insistir mas posso escolher desistir desse mundo das empresas, dos negócios, do dinheiro, da vaidade. É também o mundo da interacção que me faz falta, dos desafios, do trabalho em equipa, do risco, do perder e ganhar que provoca adrenalina. 

Tem sido difícil esta percepção. Trouxe-me de volta uma raiva que julgava apaziguada. Por isso, se algum dia encontrar certas pessoas, voltarei a tentar dar-lhes um murro na cara. Mesmo que parta a mão. Quanto mais tempo passa, mais sinto que o merecem.

Estou aqui a escrever e entram no écran n notificações de jornais com balanços de 2017, previsões de futuro, avisos de que o presidente saiu do hospital (ah como me souberam bem estes três dias sem o ouvir), anúncios de chuva para o réveillon (brrrr). Plins plins de mensagens têm ecoado no smartphone. Vejo as horas e já estou atrasada para o que tenho que fazer. 

O tempo. Em Janeiro, daqui a quinze dias, faço anos. Muitos. Nunca pensei que seria possível eu ter esta idade. É tão estranho envelhecer... A minha mãe disse-me há dias, com uma grande amargura, que agora percebeu que já é uma idosa. Pois.

Quero que o tempo ande mais devagar para aproveitar o bom que tenho. Não queremos todos? Sinto uma afeliação interior pelo estado do mundo, da sociedade, das pessoas. Uma impotência terrível face ao caos instalado. A última esperança é que o tempo abrande.

Tenho saudades dos anos 60 em que nasci e se gritava nas ruas: Peace & Love ou  Make love, not war! É o que desejo para 2018.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Enjoar.

Estou farta. Enjoada. De tanta notícia. Falsa e verdadeira. 
Destrinçar. Procurar. Ler. Descartar. Separar o trigo do joio. Aturar. Indignar-me. 

Cansada.
Apetece-me fazer listas. Daquelas gosto e não gosto. 

Tenho um livro do Umberto Eco, A Vertigem das Listas. 
Gosto de papel. De livros. De os ter, coleccionar, ler. Só folhear e sonhar ler. Um dia. Já não terei tempo. De vida para o fazer. 
Quero ler e reler. Mas já não o consigo fazer com a rapidez de outrora. O meu filho lê dez livros enquanto me arrasto com um. 

Consegui ler A Sibila da Agustina. De novo. 
Consegui extasiar-me com a beleza e riqueza da sua escrita. 
Pensar que nunca o conseguiria fazer. Escrever bem. É demais. Confirmei a impressão da juventude. Chata... Mas gostei. 
As mulheres de Agustina. Independentes. Fortes. Acima dos homens mesmo quando se deixam subjugar. 
Foi publicado em 1954, escrito anos antes. 

Descobri palavras desconhecidas. Li sempre de lápis, sublinhando. 
Increpar. Fui ao dicionário ver: repreender, acusar, censurar (do latim, incre-pâre).
Esbagachados. Não está no dicionário da Porto-Editora. Está num tal de Wikcionário "com decote muito aberto, com o peito à mostra". Termo transmontano. 

Com a Agustina é assim. 

O contrário da escrita do comum dos mortais. Aprende-se. Perceber que se chegou a esta idade desconhecendo tantas palavras. Muitas são do norte. Desculpo-me. Sou do sul. Carepa! Dizia a minha avó. Ao sul.

Sociedade. Política. Vida. A verdade. A justiça. Cilindradas até mais não.

Os grandes dramas. Os grandes temas. Ficam ao lado. 

Publico uma imagem arrepiante duma criança a morrer de fome. Deitada num estrado dum pseudo hospital. Não sei exactamente onde. Presumo que no Iémen. Agoniza. Ninguém vê. Tenho poucos gostos. Ou manifestação de tristeza. Ira. Nenhum comentário. Invisibilidade. Total. Não gosto.

Como se lida com isto? Como com a morte. 
A vida continua. O tempo continua. 

É natal. Uma época que nos lembra a religião. Porque me espanto tanto com o comportamento humano? Não estava tudo lá no velho testamento que o novo veio atenuar? 


Redes. Sociais. Ou não. Discussão. Exaustão. Exposição. Estamos todos presos.