quarta-feira, 3 de maio de 2017

Os cães.

Sofri muito em miúda com medo dos cães. 

Nunca percebi bem de onde me veio esse medo. Mesmo quando tivemos um cão, lá pelos meus dez ou onze anos, um pastor alemão inofensivo, que brincava comigo e com a minha irmã, às cambalhotas e aos saltos em cima da cama, nunca fui de intimidades. Tipo mexer no focinho, meter a mão na boca, lambidelas e outras marmeladas que vejo nos donos de cães, em maioria na minha família e amigos.

As bocas dos cães, cheias de dentes com caninos ameaçadores, sempre me meteram respeito. Já bem crescida, não era sem sofrimento que tentava mostrar à vontade quando jantava em casa duma prima rodeada por S. Bernardos gigantes que insistiam em instalar-se ao pé de mim e tentar meter o focinho no meu prato.

Cruzar-me com um cão no passeio foi um tormento toda a vida. Mesmo com o dono por perto a dizer "não morde", o receio não abrandava. Talvez por isso, os cães vinham sempre ter comigo, a cheirar-me e a saltar para cima de mim.

A minha vida está cheia de episódios de fugas e contornos, passagens entre os pingos da chuva.

Com o Miró em 2002
Foi preciso chegar aos quarenta e muitos, cinquenta, para conseguir lidar de perto com cães pacíficos como os golden retriever ou os labrador, muito graças ao cavalheiro Miró da minha amiga Manuela, ou, mais recentemente, graças à Miga ou à Pipa, cadelas de amigos, bem educadas que me deixam fazer festas e estar sentada à mesa relaxada. Até consigo esquecer-me que estão no mesmo espaço que eu.

Como todos os miúdos, o meu filho também teve um período em criança que queria ter um cão mas nunca aconteceu pois sei bem que sobraria para mim. Tratar, lavar, vacinar, passear, limpar o cócó, mimar, tudo o que implica. Para além de que a casa era pequena demais apesar de, no prédio, abundarem os cães, e grandes.

Ao mesmo tempo, sempre lamentei este meu medo porque um cão é uma grande companhia, um amigo fiel. Bem vejo o que se sofre quando eles morrem. Bem vi o consolo que foi para o meu pai a sua cadela Minnie quando ficou paralisado pelo avc.

Lambidelas amigas.
Na modernidade urbana de hoje, quase se contam pelos dedos da mão quem não tem cão ou gato. Para além de ser moda, também funcionam como substitutos das relações humanas. É bem mais fácil ter um cão que um namorado.

Há um crescendo de atenção aos animais em detrimento do ser humano que me espanta. Fico contente que tenham deixado de ser coisas mas convém que impere o bom senso. Quantas vezes vejo mais empenhamento em salvar animais da pobreza e do abandono do que pessoas.

Vencido o medo dos cães, já posso dizê-lo, continua a aterrorizar-me a existência de cães de raças perigosas. E haver quem os defenda como se fossem iguais aos outros.

Em Portugal, existem mais de 16 mil, segundo dados divulgados estes dias a propósito dos recentes ataques de cães a crianças. O número de ataques é elevadíssimo e inaceitável. Este ano, já morreram dois idosos vítimas de ataques de cães.

Por mim, defendo a proibição das raças perigosas. São espécies de comportamento agressivo, com mandíbulas de grande potência, muitas vezes resultantes de cruzamentos de raças entre si. A legislação obriga a que os donos tenham formação e eduquem os cães mas parece evidente que não é cumprida. 

Com tantos cães bons e bonitos, de raça ou rafeiros, muitos abandonados à procura de dono, o que leva alguém a escolher ter um cão de raça perigosa? Mostrar poder? 

Apesar destes factos não contribuírem para a superação do meu medo, ainda sonho ter um cão um dia destes.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

1 de Maio.

Fomos dar uma volta por Lisboa, sem destino certo, aproveitando a temperatura mais fresca. 
Apanhámos o eléctrico em Belém e saímos na Praça da Figueira. 

No Martim Moniz, juntavam-se pessoas para a manifestação da CGTP, poucas demais quase na hora do início. Representam cada vez menos trabalhadores, os sindicatos. Já em casa, ouvi na rádio que tanto em Lisboa, na CGTP, como em Viana, na UGT, participaram poucas centenas de pessoas. Quem defendem? A função pública e os transportes? Para que servem actualmente? Talvez por ter trabalhado sempre no privado, nunca senti que defendessem os seus trabalhadores. Seriam já colaboradores?

Que propostas têm para a situação actual do trabalho? Para a falta de pagamento digno? Não os vejo discutir o futuro do trabalho, a robotização, como evitar as novas formas de exploração que florescem por todo o lado? Como educar e ajudar os jovens que trabalham, em startups, no turismo, nos tuck tuck, a serem devidamente remunerados, a terem direito ao descanso, por exemplo? 



No Largo do Intendente, cheio de gente nas esplanadas, um grupo de defesa dos precários organizava cartazes de protesto. O meu grupo.

Lisboa com as ruas cheias, nas principais e nas outras. A Almirante Reis na zona do Intendente está uma autêntica China Town. 


Subi a Campo Santana. Está tudo mais bonito, casas recuperadas, outras não, gente nova, portuguesa e de fora. Talvez demais mas há alegria e movimento. Os nossos velhos que saem para apanhar sol, os que ainda moram por ali. Fiquei mais tranquila, ainda há bastantes. Os outros, são orientais. Comprei água num mini mercado de uma senhora indiana. O comércio local está de volta e em força.

Passear pelo Jardim do Torel é sentir o lazer romântico do século XIX. Olhar e olhar o casario de Lisboa sem apetecer sair dali. Tão bom, tão bonito, como podem os estrangeiros não se apaixonar por esta cidade? 


O mundo parecia suspenso ao sol. Regressamos, sempre a descer até à Baixa, para apanhar de novo o eléctrico para casa, de novo na Praça da Figueira, turbulenta de gentes.