quinta-feira, 6 de abril de 2017

Sem resposta.

Estou cansada de tantos milhões de euros. De tantos números intangíveis. 

É difícil acompanhar, é difícil perceber. São números que representam valores em dinheiro que não conseguiria ter nunca a trabalhar honestamente toda a vida, a ganhar acima da média. 

São milhões de milhares que uma série de salafrários manuseou, usurpou, usou em seu benefício, aproveitando funções em cargos de gestão em que deviam segurar, guardar, investir para aumentar, disponibilizar aos donos. 

Estou cansada de assistir à impunidade com que se safam. Parecia mesmo, tudo indicava, que íam ser acusados e condenados. Que haveria justiça, não pelas nossas mãos, mas pelas dos tribunais, as do país, pela Justiça a sério. 

Mas afinal, ela não consegue. A cada caso, mostra-se incapaz. Os ladrões são mais espertos que os polícias, como nos filmes americanos? O dinheiro, os grandes números compram tudo? Não há gente honesta no meio disto tudo, a lidar com os donos disto tudo? Todos se vendem, todos se compram?

Sempre detestei estas generalidades. Sempre acreditei na boa fé do homem, na honestidade. Apesar de tudo, dos factos, da realidade mórbida, ainda acredito. Mas está difícil mostrá-lo.

Todos os dias há milhões nas notícias, mais um banco, menos um banco, falência, venda compra, fundo, chineses, mexias, oliveiras que não figueiras, loureiros e salgados. À solta, a rirem-se. Um óasis no deserto, gatunos mais pequenos são condenados mas não os conseguimos ver atrás das grades. Recorrem, sem honra, sem vergonha. 

Cansa tanto mal parado, tanta corrupção, tanta inoperância, tanto golpe e fuga. 

Não quero dar razão aos ditados populares. Quero acreditar na possibilidade de castigo na terra, já que não acredito no céu.

Está difícil. Muito mais difícil suportar outros crimes, mais terríveis ainda. Crimes cometidos por outros poderes, com a cumplicidade geral, contra pessoas inocentes, como na Síria. 

Seis anos de guerra, de morte, de destruição brutal, todos conhecemos tudo, informação e contra informação não faltam. Não restam mais desculpas para deixar acontecer, lavar as mãos, fugir a chegar-se à frente. 

Quem bombardeia crianças com um gás tóxico mortal? Não caiu dos céus sem alguém ter carregado no botão, dado a ordem, decidido fazer isto? Já não o tinha feito antes? Contra o seu povo? 

Dali a poucos quilómetros, crianças morrem de fome. FOME que se julgava erradicada, reduzida a pontos sinalizados. Em quatro países apenas, Iémen, Somália, Nigéria e Sudão do Sul, existem 1,4 milhões de crianças a morrer. De fome e de subnutrição. 

E nós aqui, tão perto e tão longe, temos comida a mais, engordamos, desperdiçamos, fugimos de saber, de parar para pensar e agir.

Há dias em que tudo isto é demasiado. Não há primavera, nem azul, nem sol magnífico que nos salve. 

Sinto um imenso nojo pela nossa incapacidade colectiva. Pela nossa cumplicidade com os senhores da guerra, com os poderes que se entretêm com os números dos milhões de milhares, seja dinheiro ou pessoas. 

Sinto nojo por poder escrever tudo isto, assinar petições, reclamar, indignar-me, entristecer-me, chorar ao ver os corpos mortos das crianças, os corpos magros e doentes das crianças, os rostos de dor das mães, as mãos vazias, o olhar perdido à espera da única realidade, a morte, mas não poder mudar nada.

Mudará um dia quando a destruição e a morte forem em larga escala, atingirem todos, uma grande maioria, como já aconteceu no passado. Uma estupidez que ainda podemos evitar.

Podemos? Queremos? Não sei. Cada vez acredito menos. Viva o individualismo.

Já expiei um bocadinho da minha revolta, da minha angústia. Escrever e partilhar dá-me essa sensação. Não resolve nada mas alivia-me. 

Volto ao meu dia a dia, onde acontecem coisas boas, pequenas coisas boas que acalmam a alma, mas conseguirei esquecer esta imagem? Espero que não.



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