terça-feira, 11 de abril de 2017

Imagens ou palavras?


Tem-me apetecido mais as imagens que as palavras. 

Não é habitual em mim. Apesar de ser uma pessoa visual. Sensível ao ambiente que me rodeia. Dentro ou fora. Cidade ou campo. Onde estiver.

Releio textos antigos, não tanto, apenas de há três anos. Espantada. 
Já não consigo escrever assim. Agora que queria concretizar um velho plano de escrita. 

Preciso da adversidade para escrever. Feliz, em bem-estar, com tranquilidade, tenho dificuldade. Se tivesse talento, fá-lo-ia em qualquer situação. Devo persistir antes de desistir. Sou teimosa.

É mais fácil ficar pelas imagens. Que podem dizer tudo. Sem classificar. Sem opinar. Cada um que pense o que quiser.

Estranho esta atitude que me assola há tempos. Não me é característica. Lá no fundo de mim, há uma pressão. Uma obrigação de me manifestar sobre o que se passa, o que importa. Tomar partido. Não ser indiferente. 

Todos os dias há assuntos novos. Os velhos mantém-se. Não faltam temas. 

Enquanto caminho - e tento fazê-lo todos os dias, evitando químicos que teriam o mesmo efeito - a cabeça fervilha-me com frases, planos para textos. Reparo em pormenores que não quero esquecer para referir algures num texto que não sei se vou escrever. Se não apontar, esqueço.

Para anotar, tenho que pôr os óculos. Sempre vi tão bem. Até. Até há uns anos. Vai piorando e, mais dia menos dia, terei que usar óculos sempre. Afecta-me. É um obstáculo que me afecta o fazer. Pôr óculos, tirar óculos. Porque prá frente, pró longe, não preciso. Um objecto a impedir a leveza do caminhar "sem lenço sem documento", como canta Caetano.

Não posso andar sempre com os óculos postos se não tropeço. Ando com mais cuidado do que nunca para não cair. Piso a calçada aos altos e buracos de cabeça no chão quando queria era estar a olhar à volta.

Preciso de sentir os outros, de me misturar. Na minha nova vida há isolamento. 
Trabalhar em casa. Apesar dos contactos e de uma ou outra reunião.
(ah, o que gostei de ver ontem, por acaso, na televisão, o filme português de Patrícia Sequeira "Jogo de Damas", em que uma das mulheres amigas, reunidas pela morte de uma delas, grita exasperada "os contactos, contactos para isto e para aquilo, fazer contactos, estou farta de contactos") 

Preciso de me misturar e observar. Lembrar um mundo do qual saí e ao qual não quero voltar. Mas que não quero esquecer. Tem coisas que só se apreciam muito depois.

As conversas entre colegas na hora do almoço, o centro comercial, o restaurante, uma volta pelas lojas nas redondezas, os saltos e os sapatos. O olá a um colega. Conhecer de vista este e aquele. O tempo do caminho. As horas e os limites. O trabalho por conta de outrem, o salário certo todos os meses. 

Cada vez uso menos sapatos. E saias. Tenho-me entretido a observar os pés das pessoas. Cada vez há mais ténis nos pés. Nas filas de turistas para os monumentos mas também nas filas para o almoço no centro comercial. Ténis para todas as idades e feitios. Cores e sofisticações. Já não vejo que se justifiquem os sapatos. Pelo menos com saltos...

Caminho o mais possível e observo. 

Polícias que deviam vigiar estão sempre de olhos no smartphone, o que estão ali a fazer?

Idosos saem cedo na manhã para o pingo doce, o andar incerto. Penso que podem cair a todo o instante mas lá se aguentam no ir e vir. Respondem a um bom dia com um sorriso. Sobretudo as mulheres. Gosto de velhos, já sabem.

Jovens da periferia na marmelada, em cantos e bancos, já não escondidos como antes. Vestidos de igual. Com tatuagens. 

Entro na padaria dita portuguesa para comprar dois croquetes e todos os jovens que atendem têm os braços desfigurados por tatuagens. É feio demais. Felizmente, já não vou cá estar para os ver velhinhos com a pele seca e enrugada. Como ficarão os desenhos agora esticados?

Ainda não são dez da manhã. Volto a casa. Continuam os debates sobre a guerra possível, Trump, a Síria e a Coreia do Norte. Espero o pior de tudo isto. Há muito que o espero, prevejo. Sou pessimista como me dizem. Respondo sempre que apenas realista. 

Foco-me nos pormenores da vida que tenho. A minha fuga.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Sem resposta.

Estou cansada de tantos milhões de euros. De tantos números intangíveis. 

É difícil acompanhar, é difícil perceber. São números que representam valores em dinheiro que não conseguiria ter nunca a trabalhar honestamente toda a vida, a ganhar acima da média. 

São milhões de milhares que uma série de salafrários manuseou, usurpou, usou em seu benefício, aproveitando funções em cargos de gestão em que deviam segurar, guardar, investir para aumentar, disponibilizar aos donos. 

Estou cansada de assistir à impunidade com que se safam. Parecia mesmo, tudo indicava, que íam ser acusados e condenados. Que haveria justiça, não pelas nossas mãos, mas pelas dos tribunais, as do país, pela Justiça a sério. 

Mas afinal, ela não consegue. A cada caso, mostra-se incapaz. Os ladrões são mais espertos que os polícias, como nos filmes americanos? O dinheiro, os grandes números compram tudo? Não há gente honesta no meio disto tudo, a lidar com os donos disto tudo? Todos se vendem, todos se compram?

Sempre detestei estas generalidades. Sempre acreditei na boa fé do homem, na honestidade. Apesar de tudo, dos factos, da realidade mórbida, ainda acredito. Mas está difícil mostrá-lo.

Todos os dias há milhões nas notícias, mais um banco, menos um banco, falência, venda compra, fundo, chineses, mexias, oliveiras que não figueiras, loureiros e salgados. À solta, a rirem-se. Um óasis no deserto, gatunos mais pequenos são condenados mas não os conseguimos ver atrás das grades. Recorrem, sem honra, sem vergonha. 

Cansa tanto mal parado, tanta corrupção, tanta inoperância, tanto golpe e fuga. 

Não quero dar razão aos ditados populares. Quero acreditar na possibilidade de castigo na terra, já que não acredito no céu.

Está difícil. Muito mais difícil suportar outros crimes, mais terríveis ainda. Crimes cometidos por outros poderes, com a cumplicidade geral, contra pessoas inocentes, como na Síria. 

Seis anos de guerra, de morte, de destruição brutal, todos conhecemos tudo, informação e contra informação não faltam. Não restam mais desculpas para deixar acontecer, lavar as mãos, fugir a chegar-se à frente. 

Quem bombardeia crianças com um gás tóxico mortal? Não caiu dos céus sem alguém ter carregado no botão, dado a ordem, decidido fazer isto? Já não o tinha feito antes? Contra o seu povo? 

Dali a poucos quilómetros, crianças morrem de fome. FOME que se julgava erradicada, reduzida a pontos sinalizados. Em quatro países apenas, Iémen, Somália, Nigéria e Sudão do Sul, existem 1,4 milhões de crianças a morrer. De fome e de subnutrição. 

E nós aqui, tão perto e tão longe, temos comida a mais, engordamos, desperdiçamos, fugimos de saber, de parar para pensar e agir.

Há dias em que tudo isto é demasiado. Não há primavera, nem azul, nem sol magnífico que nos salve. 

Sinto um imenso nojo pela nossa incapacidade colectiva. Pela nossa cumplicidade com os senhores da guerra, com os poderes que se entretêm com os números dos milhões de milhares, seja dinheiro ou pessoas. 

Sinto nojo por poder escrever tudo isto, assinar petições, reclamar, indignar-me, entristecer-me, chorar ao ver os corpos mortos das crianças, os corpos magros e doentes das crianças, os rostos de dor das mães, as mãos vazias, o olhar perdido à espera da única realidade, a morte, mas não poder mudar nada.

Mudará um dia quando a destruição e a morte forem em larga escala, atingirem todos, uma grande maioria, como já aconteceu no passado. Uma estupidez que ainda podemos evitar.

Podemos? Queremos? Não sei. Cada vez acredito menos. Viva o individualismo.

Já expiei um bocadinho da minha revolta, da minha angústia. Escrever e partilhar dá-me essa sensação. Não resolve nada mas alivia-me. 

Volto ao meu dia a dia, onde acontecem coisas boas, pequenas coisas boas que acalmam a alma, mas conseguirei esquecer esta imagem? Espero que não.