quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Crónica de dois dias.

Segunda, dia 20 

Subo as escadas do metro, no Saldanha, Avenida da República, encandeada pela luz demasiado forte da tarde azul. E o que vejo primeiro, incrédula? Amendoeiras em flor! Sim, umas ainda tímidas amendoeiras à beira do passeio recente da avenida, mesmo à porta do Galeto. Já em plena rua, em plena luz, confirmei que eram mesmo árvores em flor e não um qualquer facto alternativo.

Interessante a exposição de mupis com fotos antigas das avenidas novas e frases de moradores ainda dessa época, alguns conhecidos. 
Não me parece que possa haver dúvidas sobre as melhorias do espaço por ali, Avenida Duque d'Avila, Saldanha, Avenida da República.
Numa tarde primaveril como a de hoje, apetecia passear ou ficar sentada num dos muitos bancos de jardim. Gostei!



Terça, dia 21 

Desta vez, não tive sorte de principiante e o eléctrico apareceu 40 minutos depois do previsto. Também não estava calor nenhum na paragem, à sombra. Batia-me um ventinho frio nas costas. Entrava pelo pescoço e comecei a fungar, arrepiada.
À conta do atraso e do resfriado, decidi almoçar logo, mais cedo. Decidi aconchegar-me com uns "orecchiette con broccoli" no Bella Ciao. Que felizmente está igualzinho. Logo, escondido no meio da turbulência da Baixa, cheio mas com lugar para um ou dois. Com lugar para mim e para ficar a recordar os tempos em que o frequentava muito.


O objectivo era não perder a exposição do Amadeo. Não contava com a desilusão. Não sei se provocada pelo acanhado do espaço. Se por ter apanhado umas turmas do secundário, jovens em ebulição, fotografias a mais, segredinhos e risadas quando os professores saíam do raio de visão. E depois no governo civil? Ou ex... Subi a escada e outras recordações subiram também. 
Ainda tentava tomar-lhe o gosto - e eu gosto muito -, já tinha visto tudo. 


Merecia mais Amadeo de Souza Cardoso. Pelo menos, espaço, desafogo, e não ser encurralado em pequenas salas onde há anos se interrogavam presos.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Mais um dia.

Mais um dia. Azul, o que é sempre muito agradável. Parece tudo menos mau.

Hoje acordei e resisti a espreitar o feed de notícias. Quantas mais medidas de merda de Trump? Já quase não quero saber. Passei da fase da revolta para a percepção que o homem é louco e fascista e está instalado, apoiado por um grupo sólido de malfeitores, sem qualquer pudor.

Que mais nos vai acontecer? Por exemplo, Marie Le Pen ganhar em França. Pressinto que vai acontecer. A reversão do mundo que conheci toda a vida a acelerar.

Estamos preparados? Não. Não nos apetece. Não queremos. Mas nós, quem? Metade da população? Insuficiente para deter este caminho?

No meio disto, sinto-me em falta com a atenção dada ao outro lado do mundo. Onde pessoas continuam a morrer sob as bombas e a guerra. Continuam a fugir e a morrer na fuga. Continuam à espera barradas às portas da Europa. A morrer de frio e de fome e de carência geral.

Ontem soube das medidas tomadas pela Hungria. Piores que Trump. Refugiados feitos criminosos. É a machadada final nos seus sonhos de vida e liberdade. O que vai fazer a UE? Presumo que nada. Por esta e por outras, não vejo outro caminho senão o da desintegração. Ou então, o da força sobre a força. Sujar as mãos. No terreno.

O feed de notícias não me diz se Mossul já foi libertado. Nem se Palmira já está completamente destruída. Se Bashar alguma vez pagará pelos crimes cometidos? Parece que quem paga tudo isto é o povo sírio. Sem fim.

Penso em Guterres e no Papa Francisco, cujas missões são a paz, a tolerância e o combate à desigualdade. Como se vão safar? 

Francisco andará entre os pingos da chuva, invocará a vida de Cristo e o seu exemplo. Pode ser que se aguente, apesar da oposição cada vez mais clara de homens como o Cardeal Burke, apoiado por Bannon, o sinistro mandante de Trump, e outros grupos que querem voltar ao tradicional Vaticano. Interessante ler o artigo "Steve Bannon Carries Battles to Another Influential Hub: The Vatican" publicado ontem no New York Times.

O cenário de Guterres parece ainda mais sombrio. Como conseguirá cumprir a sua missão, entre Trump e Putin? Com a China não deve poder contar já que em matéria de direitos humanos, é o que se sabe.

Nós por cá, fazemos o que podemos para levar a vida à tona da água. Há alguma esperança, em contra ciclo ao mundo. 

Apesar das sombras e das ameaças do capitalismo financeiro dominante. Um exemplo local desse capitalismo desenfreado é todo o enredo de corrupção excelentemente exposto no artigo de Nicolau Santos "Os cúmplices da Ongoing", a ler.

Conseguiremos sobreviver?

Na segunda, estive finalmente na zona do Saldanha e gostei muito do resultado das obras. Mesmo que haja imperfeições. É todo outro conceito de cidade.

Saí duma consulta pelas 18h e apetecia-me apanhar ar. Decidi voltar a pé para as Telheiras, onde deixara o carro. Apetecia-me experimentar a Avenida da República. Anda-se super bem. Foi um instante, o percurso com o piso liso e confortável. De Entrecampos para Telheiras, voltei aos tombos dos passeios mas há-de melhorar. Pensei em como nas pessoas com mobilidade reduzida ganham autonomia como os novos passeios e desenho das passadeiras sem obstáculos. Tão bom.

Também já passei no Cais do Sodré e está a ficar lindo. Aconselho alguns críticos a deixarem o conforto dos seus automóveis de gama alta e a meterem-se ao caminho, antes de falar.

Hoje, vou tentar ir de Belém à Expo nos transportes públicos. Eléctrico e metro. Não por masoquismo mas porque quero reduzir a utilização do carro na cidade. Quero e só experimentando e insistindo poderei perceber se é possível sem grandes apertos. 
Quanto tempo precisarei gastar é para já a minha questão. Espero saber responder logo.

Olho pela janela e o céu está azul, azul. O ar fresco. Um privilégio. Vou aproveitar enquanto posso.