quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O sentido da vida é a morte?


Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa.
Cálice, Chico Buarque 

Há pouco fiquei de lágrimas nos olhos quando uma amiga lembrou emocionada o momento vivido há anos quando a filha esteve entre a vida e a morte. Salva no último minuto graças à competência e carinho dos médicos depois de episódios de cruel incompetência de outros.

Lembro-me muito bem da aflição, do sofrimento, da angústia terrível que aquela família viveu e também nós todos, os amigos que os acompanhavam.

A distância entre a vida e a morte é tão ténue na maioria das vezes e tão resistente noutras.

Ontem, morreu de cancro um grande amigo da minha mãe, um frade da igreja vizinha.
O Frei Armando, um senhor bem disposto, sempre pronto para a festa, que conhecíamos desde que viemos viver para Lisboa, há 40 anos. Até a minha firme desconfiança em relação aos padres desarmava face a este bom homem.

Há meses que sofria às mãos de tratamentos de quimio e radio, para prolongar a vida. Com que fim? Com que sentido? 

Infelizmente, já aprendi que, perante determinados sintomas, o desfecho é sempre o mesmo.

A cada caso, volto a afirmar que, quando me calhar a mim, não quero tratamentos inúteis para estar por cá mais uns tempos sem poder fazer nada do que gosto, falar, comer, ler, ouvir, abraçar, dar.

Mas serei capaz de tomar essa opção? Os outros à minha volta vão deixar? Porque a nossa capacidade de autonomia se perde irremediavelmente. 

Ou a esperança de sobreviver impede essa opção? Espero não saber a resposta nos próximos tempos.

Entretanto, vamos sofrendo com a perda dos que gostamos e admiramos. Este ano tem sido demais. Como se o tal Deus, dito misericordioso e omnipresente, tivesse segmentado o mercado e optado por não proteger os melhores.

Por esta e pelas outras todas, ainda mais horríveis - o abandono e a morte de milhares de crianças em cenários de guerra e de miséria toral- é que não me convence o "venham a mim os inocentes" e outras mensagens que a doutrina vende.

Vi de novo parte do belíssimo "Human". Perguntava-se qual o sentido da vida. Não sei responder. 



O filme deixa-nos envoltos na beleza do mundo e da diversidade das suas gentes. Envoltos na impossibilidade de não ser tolerante e compreensivo, bom.

O conhecimento desta diversidade fantástica (que passa também pela desigualdade fantástica de condições entre humanos) deixa-nos com um aperto no coração porque passamos os dias a ser bombardeados com o mal, todos os dias, a toda a hora. 

Destruição, morte, guerra, corrupção, injustiça, racismo, desigualdade, riqueza, pobreza, intolerância, todos os níveis de maldade grande e comezinha. 

Uma enorme lista de horrores, macro e micro, dominante no mundo, em que parece cada vez mais difícil praticar o bem, manter valores, ser íntegro, ser simplesmente humano.

O dia está cinzento e uma chuva implacável não desiste de tornar a solidão maior.

Trabalho no meu canto mas o pensamento assalta-me com cenas do passado que afectam o presente que já é futuro...

Do presente, via digital, surgem chatices relacionadas com o dia-a-dia para me tirar o sossego. Os inquilinos que estragam a casa, a contabilista que falha uma reunião marcada há muito, uma conta para pagar que não cabe no orçamento, um cliente que não responde. Nada realmente importante.

Oiço o António Zambujo a cantar Chico Buarque, canções que conheço de cor, cada palavra, desde sempre, de que gosto. Que salvam.


Foi bonita a festa, pá Fiquei contente, Ainda guardo renitente Um velho cravo para mim. Já murcharam tua festa, pá Mas certamente, Esqueceram uma semente Em algum canto do jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Canta a primavera, pá Cá estou carente Manda novamente Algum cheirinho de alecrim.
Tanto mar, Chico Buarque

  
 




 







quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Amigos.

Tão giro encontrar no facebook uma memória de há três anos sobre o papel dos amigos. 
"Os últimos dias têm reforçado a minha teoria sobre a importância dos amigos, dos amigos verdadeiros, onde incluo também a família próxima. É nos momentos difíceis que se percebe quem está e não está. Tudo isto pode parecer banal, dito e redito nas frases de auto-ajuda que abomino... mas quero agradecer aos meus amigos que não desarmam no apoio e permitem que consigamos resistir quando o mundo parece desabar.... Obrigada! 22-11.13"
Não retiro uma palavra ao que escrevi na altura. Acrescento que o tempo confirmou a sua importância. Que o tempo também deu para limpar os verdadeiros dos falsos. 

Faz três anos este mês que a minha vida profissional, logo também a pessoal, mudou radicalmente. Tudo pareceu assustador. Ficar de repente sem abrigo nem salário nem projecto. 

Como não sou de desarmar, lá fui persistindo até encontrar outro modo de vida. De que gosto apesar da brutal descida de nível que implicou. 

Estes três anos foram de tanta mudança que, olhando para trás, parecem ter passado num ápice. 

O fim de 2016 marca também o fim de algumas amarras que ajudavam a sustentar o caminho. Por isso, o próximo ano - um horrível número ímpar - é também de novo recomeço.

2017 mete algum medo mas espero aguentar-me. O medo maior é o do caminho que o mundo toma e que nunca esperei vir a experienciar. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Impotência.

Acordo sem energia. A garganta seca, algum ardor. Resultado do comprimido que tomei ao deitar para parar o pingo no nariz que surgiu sem tréguas ao fim da tarde de ontem.

Era só o que me faltava. Tenho tanto que fazer. Como sempre. Nunca dá jeito ficar doente. Nunca é o momento certo para nos sentirmos impotentes.

Prossigo como num dia normal mas o corpo está lento e pede descanso. Resisto hesitante. E se fosse capaz de me deitar no sofá a meio da manhã e fechar os olhos? Não para dormir, apenas para dar cumprimento ao efeito do medicamento. Não o faço, claro.

Em vez disso, escrevo no caderno uma nova lista das tarefas para a semana. As minhas listas. Quase sempre maiores que o tempo disponível.

Resisto. Trato de n coisas, pagamentos, mails de resposta, agendamentos. Às 9h da manhã está quase tudo despachado, com excepção do principal. Adiado até vir a inspiração. O processo é sempre assim. Uns dias a pensar até, em pânico de última hora, tudo se resolver.

Cada vez mais difícil. Envelhecer é uma trampa. A memória falha e, sem medir, sei que estou mais demorada, menos rápida, e não mais ponderada.

Trampa pior é o que acontece pelo mundo. O dia está de um azul magnífico mas eu tenho arrepios de frio. Espreito o mar, nítido demais no horizonte, lá ao fundo depois do casario.

Leio mais notícias e artigos sobre as eleições americanas. A desgraça do Trump confirmando o destino para que caminhamos sem retorno. 

Ficámos perdidos à procura da explicação racional e lógica para explicar a vitória de tal homem.  Há discussões, acusações, análises. Na rua das cidades americanas, há manifestações de protesto que nos alumiam uma esperança mas sabemos que não serão capazes de tirar o poder ao homem.

Escolho explicações entre os meios e opinadores que sigo. Ainda assim, parecem-me frágeis para explicar tal dano. Só quero perceber o que leva alguém que votou em Obama a votar em Trump. O desespero? O medo? O futuro roubado?  

Ninguém gostava da Hilary (nem eu, para ser franca) e a culpa parece ser muito dela que não foi emocional, nem disse frases polémicas e mentirosas, tem telhados de vidro, perdoou ao marido o bóbó da história, é rica, loura, velha e gorda. E o Trump não é rico, gordo, velho e louro? Não soma uma vida de luxúria e desfaçatez? 

Faltou aos democratas, a "esquerda" americana, a capacidade de ser alternativa... e pela Europa está a acontecer o mesmo, todos sabemos. Até na pacata e mediática Lisboa saíram da toca uns seres execráveis, neo-nazis, a gritar contra os imigrantes, arrogantes, contando com costas largas à conta do horrível Trump.

Os tempos estão difíceis e em perda constante para quem é tolerante e democrata. Os direitos das minorias? A partilha? A liberdade? Parecem ridículas. 

Sinto a moleza no corpo e não sei como consigo escrever porque os braços pedem encosto. Invade-me uma imensa sensação de impotência. 

O dia azul e a lua gigante anunciada para a noite não resolvem nada. 

Os erros e os caminhos prosseguem como se o destino fosse imutável. Como se não fosse só eu a sentir um zumbido nos ouvidos que impedem o grito "Parem!" 

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

1 de Novembro de 2016

Hoje foi "que se lixe a pseudo dieta". Apetecia-nos mesmo uma massa, esta. 


Saborosa demais, tudo no ponto certo como o meu homem sabe tão bem fazer.

O dia está ameno. Voltou a ser feriado. 

Os mortos, os nossos, que recordamos sempre com aquele aperto na alma que a ausência provoca, teriam gostado de provar o repasto. 
E nós de os ter à mesa, a partilhar conversas boas, um vinho, o prazer de estar. 

Ah como nos faltam o Duarte, o Victor, a Madalena, o Zé, o João, o Álvaro, o António, o Manuel, a Isabel, a Ana, o Jaime, a Beatriz, e outros.
 
Já são muitos os que nos faltam. É isto o passar do tempo... 

Qualquer dia somos nós a faltar à mesa, por isso, mais vale não falhar hoje, amanhã, enquanto der.