quarta-feira, 22 de junho de 2016

Solstício.








O Verão começou ontem. Quente, finalmente. A lua tem estado fantástica. Porque será que fascina tanto? O céu límpido e iluminado. A lua clareando a noite, tornando possível dispensar a luz artificial.



Estive cinco dias fora do país, dois foram de viagem, três de lazer. 

Não de descanso, antes pelo contrário. Levantar cedo para aproveitar o menor calor do início da manhã. Depois aguentar os muitos graus do dia e percorrer ruas, visitar igrejas e museus, mirar muralhas imponentes, apanhar barcos e usufruir do vento do mar, sentir a vida local, perceber as gentes. 


É o que gosto.
Pena ter que andar de avião. Tenho sempre medo quando estou lá em cima mas aguento bem se não houver turbulência. Há sempre.

Apesar das simplificações causadas pela tecnologia, os processos e os tempos são penosos para cada voo. 

O ar condicionado dos aeroportos mata-me. Ficar sentada na última fila dum voo carregado de alemães grandes assusta-me (porque se mexem tanto e vão à casa de banho desiquilibrando o aparelho?). As horas de espera entre voos só são atenuadas pelo acesso grátis à net, via wi-fi. Não me concentro muito nas leituras por causa dos constantes anúncios e chamadas. Enfim.

Mas estes são também excelentes momentos de liberdade e procrastinação. 

Liberdade para andar dum lado para o outro, podendo sempre desligar os equipamentos e ficar inacessível. Desaparecer. 

Procrastinação porque as chatices e compromissos ficam adiados até ao regresso.

Em simples cinco dias, acontecem muitíssimas coisas mas não se alteram as essenciais. Patrões e gestores que se safam impunes apesar de arruinarem empresas e vidas. O futebol no comando das emoções ainda que valha zero. A saída ou não do Reino Unido da União Europeia que é muito mais que isso. Mata-se à queima roupa por um dos lados. Quem manda mete a cabeça na areia a ver se aguenta o posto. 

Todos os dados reforçam o fim desta (des)união, tornando insuportável ouvir a defesa de mais sanções na boca do execrável Dijsselbloem ou o abandono vergonhoso de milhares de seres humanos à sua sorte, fugidos da morte e da guerra.

A parte boa do regresso é voltar a casa e aos cozinhados do meu homem, peixe fresco grelhado e legumes que precisamos emagrecer.

As televisões entediam de inutilidades. Com uma ou outra excepção que confirma a regra (RTP 2). Deixar de ver é uma libertação. Não foi o caso no regresso. Era preciso ver os episódios perdidos da série Uma Aldeia Francesa que fez parte da minha vida nos últimos meses. Ocupação nazi em França, Resistência, luta entre o mal e o bem, personagens que já faziam parte dos meus dias.  


Passei a última noite de primavera, uma rara noite quente e de luar, a ver os episódios dos dias em que não estive. Acabava ontem e era preciso perceber a história. Depois, fica o mesmo vazio de quando acabamos de ler um bom livro.

Há que recomeçar... Caminhar todos os dias depois do jantar? E ler mais!

O Mapa e o Território, do Michel Houellebecq, foi e veio a Malta, e não consegui acabar. Tal como Submissão, é absolutamente desconcertante e um excelente retrato da nossa sociedade. Fria, sem solidariedade, sem esperança.

Por coincidência, no aeroporto de Frankfurt, encontrei no suplemento de artes do FT, uma entrevista com Houellebecq. É a favor do Brexit, só podia. Gostaria muito que a saída da Inglaterra da UE fosse o primeiro sinal do desmantelamento da Europa cuja ideia considerou sempre não democrática e sem vantagens para as pessoas (ler original na foto).

A esta hora está a começar mais um jogo do campeonato europeu de futebol. O país pára. 

Portugal está por um fio e não auguro nada de bom atendendo ao que têm jogado. Não merecem passar.

O capitão, Ronaldo, esta manhã deitou à água o microfone dum jornalista do pasquim CM que o chateava. O caso tornou-se viral, com apoiantes e defensores.

Lembro-me de Marx e do ópio do povo. Aí está ele...

Volto a dizer que não gosto do que se tornou a nossa sociedade. Das escolhas. Das opções. Não é só as dos mandantes, é também as dos mandados.


domingo, 5 de junho de 2016

Primavera.

É agora a Primavera. Há flores por todo o lado. Tem chovido demais. Tem feito vento demais mas parece que é Primavera.

Nas ruas de Lisboa, as jacarandas florescem e deixam a sua marca roxo lilás. A cidade fica ainda mais bonita.

Lisboa é realmente bonita, pensei, dentro do eléctrico, de Belém para o Cais do Sodré, manhã cedo. Mesmo com obras por todo o lado e espaços degradados aqui e ali. Cada vez menos. 

O turismo impôs-se. É mau? Acho que não por muito que tenhamos que partilhar bairros e ruas, cantinhos outrora desconhecidos e vistas privilegiadas. Dantes só nossas.

Há alegria nessas zonas. Gente de todas as línguas e rostos, alturas e costumes a passar e a fotografar. A conversar, a mexer.

Os carteiristas andarão satisfeitos? Os lojistas certamente que sim. Finalmente, o comércio funciona a qualquer hora mesmo ao fim de semana. 

Fui caminhar um bocado à beira rio. Há carripanas para tudo. Cerveja, limonada, laranjada, cachorros, sandes, pastéis de nata e de bacalhau, vinho. Comes e bebes não faltam. 

Os tuk-tuks surgem de todos os lados, lançados e carregados de famílias de cabeça a dar a dar. Como é que ainda não rolou nenhuma, com aquela velocidade e os pisos esburacados, armadilhados pelas escorregadias linhas do eléctrico? 

Uma amiga desempregada tentou ser motorista de tuk-tuk mas desistiu depois de fazer uma descida desde a Graça, aos saltos e a imaginar uns brutamontes alemães a serem projectados e a estamparem-se lá em baixo, em Santa Apolónia. 

O pagamento era precário, muito precário. Ah, sim, o turismo cria muitos postos de trabalho. À hora, sem contrato, sem benefícios, sem rede. Tudo na feliz modernidade do "que giro"... e quando há que alimentar a família e pagar as contas?

Esquecia-me que estes trabalhos são para jovens sem "penduricalhos". Que vivem em casa dos pais ou num quarto alugado com amigos. Tão giro, bebes um copo, contas uma história, faz bom tempo, até dá para dormir ao ar livre.

A realidade é que as noites são frias e o futuro incerto. Cada vez mais incerto.

Não sou nova, nem jovem, nem velha, quer dizer, muito velha, penso. Estou tramada.
Falta-me a ousadia esperançosa de quem todo o tempo do mundo à frente para mudar e mudar até se encontrar. Mas também ainda não estou "tanto me faz que já não duro muito". Digo eu. Nunca sabemos.

Fico pelas coisas simples, já que o tempo escasseia.
O cheiro a maresia que vem do rio. As gaivotas a piar. O ar azul de Lisboa. O sol que ainda não aquece demasiado. Reclamar contra o vento que arrefece a noite.
Um jantar de amigos com conversa boa. Um abraço terno. Um beijo doce de carinho. Detalhes decisivos.


Ainda não fui à Feira do Livro. Quero ir mas tenho tido preguiça. Digo que não é obrigatório. Já houve anos em que não fui. O pior é se perco alguma coisa.

Limito-me a arrumar os livros na nova morada. Gosto de o fazer. Depois, fico a olhá-los, orgulhosa da minha capacidade organizativa. Clássicos portugueses, franceses, poesia, literatura estrangeira por autores preferidos, literatura portuguesa idem, restos, soltos, arte, sociedade, política, história. Limpei um a um. Não cabem todos, ficam os que mais gosto.

No meu sítio. Posso escolher um ao acaso e abrir numa página qualquer. Há tantos que gostava de reler. 
Já não vou ter tempo. Sempre o tempo a tramar-nos.

Vejo o céu. Pela janela entra o vento e o cheiro a maresia. Um sossego de domingo.

Quero só ficar por aqui a curtir, a rever coisas antigas, um poema, uma foto, uma história. 

Caminhando contra o vento, a Alegria, Alegria de Caetano que sempre associo ao António. Precisava de lhe falar, nada de especial, comentar a actualidade, o congresso do ps, o Marcelo, o mundo. Saber a sua opinião. É esta impossibilidade que mais dói na ausência da morte.

Fico por aqui. Oiço a Smooth porque ainda tenho os CDs encaixotados. O João Gilberto canta baixinho, consola-me.

Sinto uma certa culpa por este meu domingo de bem-estar quando o mundo vai como vai e pessoas como eu morrem no mar em procura de socorro... 

1 de Junho. Dia da criança

Ainda bem que as nossas crianças, mais ricas ou mais pobres, podem festejar o seu dia, felizes com as suas brincadeiras, colegas, família e amigos, passeios e presentes. Em liberdade.

As crianças são o futuro, quantas vezes o dizemos? 


Mas este dia existe sobretudo para chamar a atenção para os milhões de crianças que não o podem ser. 
Que vivem entre a fome, o trabalho escravo, a violência, a guerra. 

Algumas conseguem fugir e persistir em encontrar um lugar melhor, onde possam comer, lavar-se, brincar, aprender, sonhar. 

Está muito difícil para milhares e milhares delas que se deparam com o abandono, a solidão e a morte.

O nosso dever é fazer tudo para que cada vez mais crianças saiam dessa situação e possam ser crianças.


Não calar é um primeiro passo. Um passo que pode fazer toda a diferença porque quem cala consente.