quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Os velhos.

Sempre gostei de velhos. Melhor dizendo, já que este termo pode ser considerado pejorativo, sempre gostei de pessoas idosas.

Adorava a minha avó Ana que viveu sempre connosco até morrer com mais de 90 anos. E as histórias dela e das irmãs que conheci, quase todas chegaram perto dos 100. Tenho uma fotografia delas a rirem muito, vestidas de escuro por serem viúvas, com os seus cabelos brancos e carrapitos.



Na minha vida tenho várias pessoas de muita idade, ou seja, idosos, que estimo muito. E respeito. E admiro. E de cujas histórias não me quero esquecer.

Durante anos, quando passava férias em Trás-os-Montes, os velhos dominavam vilas e aldeias, o Ti Zé Racha (lê-se txa) com o seu cajado sentado à porta de casa, o Ti coveiro, as tias já sem idade certa que ofereciam lanches de presunto e vinho fino nas tardes quentíssimas do Douro.

O mesmo em todos os locais, mais visível fora da capital.

Moro num bairro que só agora começa a ter velhos. Quando para cá vim viver, há 32 anos, éramos todos novos. Eu ainda estava na faculdade. E os outros habitantes de Telheiras, da EPUL, não a dos novos ricos que pertence a Carnide e era campo de pasto para rebanhos, também eram casais novos.
Havia ali em baixo, onde agora é o metro, uns restos de casas antigas, casas de zona saloia, de trabalhadores agrícolas das quintas que aqui existiam. Acho que havia alguns idosos, restos doutro tempo.

Vi envelhecer muitos vizinhos que na altura teriam mais uns 10 ou 15 anos que eu. Talvez menos. Há aquelas pessoas que conhecemos de vista desde sempre. Agora têm netos.

A mudança do meu dia-a-dia, nos últimos meses, permite-me viver muito mais o bairro, a cidade e também o campo. Aí, os velhotes continuam a dominar, sentados nos bancos, de bicicleta, a conduzir um tractor ou a apanhar azeitonas no caminho das oliveiras. E a nossa vizinha da casinha, cheia de dores, mas sempre bem e disposta a dar. Todos os dias dá almoço a um sobrinho. E oferece-nos pão e caspiadas feitos por ela no forno de lenha. Tem uma pensão de duzentos e poucos euros.

E os idosos modernos, bem de saúde felizmente, como a minha mãe que aos 78 anos se tornou actriz nas peças do neto, usa as novas tecnologias e também dá almoços e jantares ao neto, e a todos os netos, todos os domingos. E umas ajudas para isto e para aquilo.

Felizmente, por causa da mania da prática do desporto, a cidade, ou os bairros como o meu, possuem equipamentos e espaços verdes que permitem praticar alguns exercícios sem gastar um tostão. A que chamo ginásio. Lá estou eu, muitas vezes com um senhor muito idoso. Até tenho medo que se desfaça mas não. Resiste. E outros passam com carrinhos com bebés. E a meio da tarde, é ver pela rua avós e netos, perto das escolas.

Que seriam dos jovens pais de hoje sem os avós?!
Que seriam dos jovens de hoje sem os avós? Que seriam dos avós sem os netos?

E resistem estes velhos, os idosos, apesar dos degraus altíssimos dos transportes, apesar dos cortes, apesar da chuva e do frio. Têm um passado e um presente de trabalho, seja na cidade ou no campo. Continuam a trabalhar e a ser um activo na sociedade. A maioria. Há excepções, os doentes e os aldrabões, e os muito ricos com criados, mas são mesmo poucos e estão escondidos. A maioria anda aí a ajudar a família, duma maneira ou doutra, com dores físicas e dores na alma de ver os netos partir por não terem trabalho apesar dos estudos.

Por tudo isto e muito mais, esta doutrina de exterminação dos velhos que este governo fomenta me enoja. Felizmente, os velhos resistem à sua maneira.

Nas empresas, os velhos somos nós, os de cinquentas ou mesmo quarentas. Deixámos de servir. Temos saber e opinião e dizem-nos que seremos muito mais felizes cá fora... Precisamos resistir uns 15 ou 20 anos apenas até termos uma pensão que não sabemos se vai existir... 
Resta-nos aprender com os velhos a resistir para continuar a viver.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Casas. Lugares. Coisas.

As casas são como as pessoas. Porque também haveremos de amá-las mais quando elas deixarem de nos ser. Quando as perdemos.”
Dóris Graça Dias, in "As casas" 


O texto parece que foi feito para mim. Neste momento. Ou sempre. Já li e reli estas palavras várias vezes.

As casas são como as pessoas. Também as amamos. No meu caso, sim. Sempre fui ligada às casas. Não só a estas mas também aos sítios dessas casas. Aos lugares onde se erguem, onde as moramos e as namoramos.

Não vivi em muitas casas. Não sou de mudar de casa. Gosto dos sítios gastos pelo tempo. 
Das marcas do nosso lugar no sofá. Dum canto onde olhamos lá fora, repetidamente. Dos quadros e das fotos que acompanham as casas, em molduras antigas. Das cadeiras que eram da família, lá de cima ou lá de baixo.

Porque tens aquela cómoda tão antiga? Foi o meu pai que me ofereceu, que trouxe de Faro, num aniversário. Tal como aquele óleo duma mulher de lenço, antigo, a precisar de restauro, há anos que precisa de restauro. Uma cadeira que já não pode mais ser restaurada. Pessoas pesadas não podem ali sentar-se, aviso delicadamente, quando chegam.

Quando vejo refugiados, destas e de todas as guerras e conflitos, a saírem de casa, uma trouxa às costas, sinto um nó. Se tivesse que partir sem saber se voltava, o que levar? Que quadro tirar da parede? Que livros escolher para levar? As memórias, a nossa vida ali, como partir? Ficar.

Detesto casas minimalistas. Não é bem verdade. Gosto de ver nas revistas. Ambientes imensos, brancos de neve, uma só cadeira, uma mesa vazia, uma jarra sem história. Poderia morar ali? Não. Só provisoriamente, muito provisoriamente. 

Todos os gabinetes que habitei, nos sítios onde trabalhei, acabavam por ficar cheios, com posters, canecas com canetas e lápis, montes de revistas, livros, anotações. Posters que tive anos e anos e se estragaram, de colar e descolar nas mudanças de escritório, para meu desgosto. Poster duma retrospectiva da pintura de Menez na Gulbenkian, idem do Mário Botas, um poster “A poesia na rua”, da Vieira da Silva. Tenho rolos de posters.

As pessoas entravam e diziam “o teu gabinete é diferente”. Óptimo, não quero ser igual a todos, trabalhar num sítio de ninguém, onde posso ser eu ou outra pessoa qualquer, despersonalizado, como se usa agora. 

Volto às casas, aos lugares, às coisas.
Que conservo no olhar, na alma. 

A vista da minha casa de Faro, a cidade toda e a formosa ria, o mar, o mar no horizonte, a ilha do Farol. A luz do farol que incidia, distante, no meu quarto. As ondas a rebentar na barra em dias de mar agitado. Os aviões a aterrar. Cores laranjas em céus límpidos de muitos pôr-do-sol vistos dali.



A casa de Freixo-de-Espada-à-Cinta que nunca foi minha mas a sentia nas muitas férias que lá passei. Que frio nos quartos, que calor no rio e nos montes. Aqueles montes enormes, de vinhas, oliveiras, amendoeiras, figueiras, para não me esquecer da minha terra a sul. As ruas estreitas de casa antigas. Ti homem e ti mulher, bom-dia, boa-tarde, somos sobrinhos do senhor Manuelito. Então, está bem.



A casa de Lisboa. Há trinta e dois anos, a mesma. Quando para cá viemos, a rua era terra e atrás pastavam rebanhos. Não havia telefone. Não passava ninguém. As árvores não tapavam as janelas. A rua alcatroou-se, o bairro cresceu demais. Ficou na moda. Há metro, cafés, esplanadas, mercearias, ciclovias, pessoas, até escritórios. Nunca mudei, espero não mudar. Uma vez quase saí de cá mas desisti a tempo.



E a casinha. Que não é minha de propriedade. Apenas de amor. O lugar da casinha, adoptado. As coisas que fui juntando na casinha. Posters colocados em sítios improváveis. Pratos alentejanos, bilhas, loiça do Bordalo, plantas. Sempre cadeiras. A salamandra que aquece o Inverno. Os cobertores que aquecem as pernas apesar da salamandra. A chaise longue amarela onde, mal me sento, me deixo dormir. A colcha às cores que a Ana fez. A mesa enorme na cozinha, que lhe vamos fazer?



Amamos ainda mais as casas quando as perdemos. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ser ou não ser social.

Quando, há uns anos, as redes sociais começaram a não desaparecer, as empresas portuguesas ficaram em pânico.
Os gestores tenderam a não ligar. Algures entre a obrigação de alguma atenção e investimento e o desprezo desconfiado de quem não quer partilhar segredos nem ter feedback.

Os responsáveis pela comunicação e as suas equipas foram experimentando pessoalmente, percebendo que haveria crescimento, envolvimento e as ditas cujas redes seriam incontornáveis na comunicação.
Não deixaram de ficar “baratas tontas”. A dificuldade de gerir mais e novas ferramentas num dia-a-dia demasiado carregado e em fase de contenção era real e de difícil implementação.



Muitas empresas repousaram depois de criar um perfil no Linkedin, qual homepage dos seus sites corporativos. Ufa! Está feito. De vez em quando espreita-se para saber se aconteceu alguma coisa.

Ainda não se falava muito de marketing digital. Mas não demorou. A velocidade da coisa invadia artigos online, revistas e conteúdos por todo o lado, assustando os responsáveis. Como não perder o barco? O que queria realmente dizer marketing digital?

Nada mais que a utilização da internet e de suportes digitais na comunicação de marketing, respondiam os especialistas. 
É preciso criar uma estratégia para a comunicação digital. Trabalhar conteúdos de forma inovadora, já ninguém quer relambórios chatos, toda a gente quer histórias, fotos, vídeos, emoção, contaminação. Até os clientes.
Pode utilizar-se o SEO para aparecer nas bocas de toda a gente, neste caso, nos olhos, opinar num blogue, conduzir as gentes para o site, chegar ao mundo todo num ápice.

E o Facebook? Que fazer? A velha discussão interna em torno dos limites. Até onde ir na abertura da empresa. E se aparecem colaboradores que não entendem algumas questões, salariais, por exemplo, e o dizem. Espalha-se. Medo. Apagam-se esses comentários. Não? Mas então?


Como sempre, as coisas vão-se normalizando na voragem do tempo. Os caminhos vão-se encontrando, mais moda menos moda.

Para muitos gestores, a questão resolve-se colocando como responsável pela comunicação um nativo digital ou aproximado. Podem lavar as mãos como Pilatos.

Para outros, a aposta é mais profunda. É preciso trabalhar os conteúdos e utilizar as diferentes redes sociais como meios de comunicar de forma mais próxima e emocional. Ser mais transparente. 
Uma oportunidade imensa.

Tudo isto já não permite colocar a questão de ser ou não ser social.
As organizações já não podem não sê-lo. Pode ser uma opção não ser social mas parece evidente que implica a exclusão dos fóruns onde as coisas acontecem.

Já tenho tido esta discussão com conhecidos e amigos que têm aversão às redes sociais, em particular, ao Facebook. É possível estar sem uma exposição excessiva. Como em tudo, deve imperar o bom senso.

O mesmo para as empresas. Uma das grandes dificuldades de lidar com a presença nas redes sociais tem a ver com os conteúdos e a capacidade de entusiasmar os outros com o que se comunica. Tem que se ter algo para dizer que chegue às pessoas.

O mundo já não tolera quem se fecha e nada partilha. Esses tempos morreram por agora, mesmo que um dia voltem.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Frutalmeidas

Daqui a bocado tenho uma reunião perto da Avenida de Roma de modo que me lembrei de almoçar nos Frutalmeidas. Confirmei antes que estavam abertos já ansiosa com a hipótese de terem fechado para férias.
Mas estão abertos e exactamente iguais a sempre.
Mal me aproximei, percebi que poderia não ter mesa mas consegui encurralar-me num espaço só possível para uma pessoa. Depois foi a velha luta para sacar a atenção do empregado e pedir. Os empregados são os mesmos mas marcados pelos anos. Estarei tão velha como eles?
Gosto que sejam os mesmos e todos.
Alturas houve em que a escolha da mesa dependia do empregado que gostávamos mais. Hoje calhou um dos não preferidos mas estou a ser bem atendida.
Hesitei entre a omeleta mista e os pastéis de massa tenra mas acabei por matar saudades destes últimos. Assim, fiquei com espaço para a tarte de maçã. Cheia de pena de não ter ousado o bolo de morango. Sempre tive este dilema.
Gosto de sítios que se mantêm como sempre.
Parte da refeição nos Frutalmeidas é passada a tentar captar a atenção do empregado e isso acaba por ser uma bela ocupação quando se está sozinha.
Agora vou tentar pagar. Para a semana volto para comer a omeleta e o bolo de morango.



quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Perdas.

Os últimos tempos têm-nos aproximado da morte em números assustadores. 
Não podem deixar de causar um aperto os milhares de mortos não muito longe, no Médio Oriente, na Europa, em África. Conflitos étnicos, perseguições, invasões, doença. 
Não podemos deixar de pensar se fossemos nós.
Ainda assim, não somos... Nem conhecemos ninguém por ali.

Reagimos muito mais quando morre alguém conhecido.
Alguém que fez parte da nossa vida mesmo que no écran, como Williams e Bacall, ou na rádio e televisão, como Rangel.



Robin Williams protagonizou inúmeras personagens inesquecíveis mas, para mim, foi o professor do Clube dos Poetas Mortos que me fez sonhar com um ensino diferente. Como gostava de ter tido aquele professor!

De Lauren Bacall recordo, desde miúda, o olhar provocador, a voz grossa, a beleza e a paixão. 

Emídio Rangel criou uma rádio e uma televisão diferentes, tornou possível um jornalismo livre e ético. A TSF acompanha-me desde o início, mesmo que agora já não seja o que era.

Gosto destas pessoas que são muito mais que estes pequenos destaques. 
Gosto destas pessoas que tinham virtudes e defeitos, mau feitio, coragem, talento, ousadia, fraquezas, doenças, tal como todos nós.
Gosto do seu olhar.
Por isso, sinto com tristeza a sua morte.

São perdas nossas. Podíamos nem saber delas mas estavam algures carregando os seus feitos, a sua beleza, o seu saber. A qualquer momento, podiam surpreender-nos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Omar e Nadia.

Fui ao cinema ver um filme palestiniano. Omar. Gostei muito. Acaba surpreendentemente mal, sem esperança para a personagem principal, a quem nada corre bem. 
Com quem nos identificamos, como sempre nas boas histórias. 

Passa-se na Cisjordânia, o que permite perceber como é o dia-a-dia duma terra ocupada. Imaginei aquelas ruas, casas, famílias, rapazes e raparigas em Gaza mas agora com tudo destruído pelas bombas. 
Dá para confirmar o que sabemos. O ódio acumulado anos e anos em ambos os lados... Como recomeçar?

Chego a casa e vejo as notícias na BBC World e na Aljazeera. 
Não são boas. Guerra e mais guerra. 
Guerra na Europa. 
A Ucrânia é Europa e a Rússia prepara-se para a invadir, indiferente às ameaças tardias sem credibilidade de Barroso... Famílias, mulheres, crianças fogem em carros antigos atulhados de malas. Há expressões de perda, dor, lágrimas.

Em Moscovo, há filas de horas em lojas de luxo para comprar t-shirts com a cara de Putin. Merchandising moderno do presidente megalómano dum país que sonha expandir-se. Voltar às antigas fronteiras? Há orgulho naquela gente pela ocupação da Crimeia. Até o Mickey Rourke aparece de t-shirt com o Putin! Atenção ao "coolest world leader"!

No norte do Iraque é o caos. Os avanços do auto-denominado Estado Islâmico são visíveis e estão perto de Bagdad. E avançam na Síria. Obama desilusão quer apoiar o novo governo iraquiano, ajudar por ar. Oiço um  general dizer que sem forças em terra... Que embrulhada. 

Uma mulher representante dos curdos no Reino Unido diz que isto se teria evitado se os EUA e a EU tivessem intervido na Síria. Parece-me acertado, assim do pouco que sei.

Iraque e Síria. Mais guerra. Há armas e tanques americanos nos radicais islâmicos... Outros tempos. 

Mais e mais refugiados. Pessoas, famílias, crianças em lágrimas que fogem, entram em camiões e helicópetros à pressa, sem nada. Cometeram o crime de terem ali nascido e ter uma religião diferente. O crime de existir.

Bebés saem de escombros vivos mas feridos para sempre... Em Aleppo, Síria.

No Egipto, tenta-se negociar tréguas para a Palestina. Mas impede-se a entrada duma organização de Direitos Humanos que pretendia visitar os jornalistas condenados a prisão por fazerem jornalismo.

Nos mares de Gaza, pescadores tentam a sorte para alimentar as famílias. A água é rica mas o bloqueio de Israel não permite profundidade. Um pescador grita que a economia está destruída e há fome.

Em todos estes locais, as reportagens que vejo, são feitas por jornalistas no terreno. Mulheres e homens. Em Gaza, no Iraque, na Ucrânia, na Síria. Em África onde a ébola veio ajudar o cenário de morte. Morte entre os mais pobres dos pobres, como na Libéria.


Os olhos de medo das crianças são todos iguais em qualquer destes sítios. As lágrimas das mães e dos pais são iguais em todo o lado. A dor da perda da casa, da terra, do lar, dos seus, mortos, a perda da pertença numa fuga para um futuro incerto é igual.
O mar é azul ou verde, igual em todo o lado. As montanhas verdejantes ou áridas, também. 

Parece que foi John Kennedy que disse que "A humanidade tem de acabar com a guerra antes que a guerra acabe com a humanidade". 
Omar e Nadia só queriam casar e ser felizes.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A NOVA (DES)CONFIANÇA.

Ao tomar o pequeno-almoço esta manhã, volto a ouvir a campanha de comunicação do BPI “o meu banco do futuro” que está a correr nos meios. 

Minutos depois, leio no Público o artigo de Pedro Sousa Carvalho “Não é inocente o timing, nem a mensagem, da campanha do BPI, que, depois de sete anos de ausência das televisões, regressou com o Perfect Day, de Lou Reed, para passar a mensagem de um banco que alberga, debaixo de uma árvore de 25 metros, aqueles que fogem de uma tempestade. O banco de Fernando Ulrich está a fazer precisamente aquilo que o Santander Totta fez quando a troika chegou a Portugal, e que tanto irritou, na altura, os banqueiros portugueses: aproveitou o facto de ser um banco meio espanhol e o corte de rating da banca portuguesa para “vender” uma imagem de segurança aos clientes com a campanha Solid as a rock”.

No entanto, face aos acontecimentos do último mês e, de modo mais avassalador da última semana, esta campanha e outras que já ouvi caem muito mal nas pessoas comuns.

A desconfiança na banca é muita. E este tipo de campanhas, a correr ao mesmo tempo em que acontece a maior crise de sempre na história do nosso sistema financeiro com consequências ainda desconhecidas, não contribui para a aumentar.

Onde estão os comunicadores e os marketeers nestes momentos de decisão? Continuam sem ser ouvidos nem achados quando se trata de situações de crise. 
Com excepção para a comunicação com os media.

É o que parece quando ouvimos, no domingo passado, o anúncio do nome do novo banco.
Quando ouvi, nem queria acreditar. Não seria possível nada melhor? Estou certa que sim. 

A seguir ao novo banco, pode sempre vir o novíssimo banco, o outro banco, o melhor banco... Um erro clássico de comunicação.

O nome Novo Banco passa tudo menos confiança. E é de confiança que falamos no meio disto tudo. Esta solução sairia fortalecida com um nome mais forte, menos identificado com a crise que levou à sua criação.


Novo Banco, mais forte e mais seguro??!!

Ao ler esta frase, o sentimento criado é de total desconfiança.

"Trata-se de uma decisão administrativa. Quem pensou no assunto não pensou minimamente na questão da marca. A marca BES é um ativo que era preciso preservar." Diz Pedro Celeste, especialista em marcas da consultora PC&A, ao Dinheiro Vivo.

Numa avaliação feita à marca BES apenas há dois meses, o seu valor foi definido em 640 milhões de euros. 
Os dados constam do prospeto do último aumento de capital do banco que decorreu entre o fim de Maio e o princípio de Junho deste ano. O valor da marca Banco Espírito Santo era um dos argumentos para tentar convencer os investidores a apostarem no aumento de capital do banco de 1047 milhões de euros. (Expresso

Por outro lado, já em Julho, crise em pleno, na rádio, a Dona Inércia, continuava a apelar à confiança no BES...


Este caso mostra como a participação activa dos especialistas em comunicação e marketing nas decisões devia ser imprescindível, podendo o seu trabalho profissional contribuir para preservar o valor da marca, evitar a sua destruição total e definir a melhor comunicação para retomar um caminho de confiança.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Perto tão longe.

Para a Gisela.


Uns dias fora do sítio habitual fazem muito bem. 

Até podemos estar perto mas mudar de casa, de cidade ou aldeia, de terra, permitem que, aos poucos, nos distanciemos das coisinhas do dia-a-dia que tantas vezes nos atormentam sem necessidade.

À medida que os dias passam, um processo natural leva-nos a separar o trigo do joio, ficando apenas o que interessa e quem é importante.

No meu caso, essa sensação de leveza não surge logo mas acentua-se nos últimos dias antes de regressar quando um nó começa a apertar o estômago devagarinho já com saudades do tempo de lazer que ainda estamos a usufruir.

Nesses últimos dias, que antecedem o “voltar à caixa de correio”, como diz a minha amiga Manela referindo-se ao regresso de férias, é quando a sensação de bem-estar atinge o seu auge. É quando começo a gostar tanto daquela vida de “não fazer nada” que chego a ponderar como seria bom viver sempre assim.

O "não fazer nada das férias" é sempre uma azáfama de fazer muito mas sem relógio e com um gozo especial. 

Tomar o pequeno-almoço na varanda, sair para uma volta matinal, como ir ao mercado e ler o jornal numa esplanada, caminhar despreocupadamente até à praia ou caminhar por um sítio descobrindo coisas, detalhes, sem saber as horas, olhar a paisagem, os outros desconhecidos, observar a natureza, nadar no mar, olhar o céu e pensar desorganizadamente…

Não é preciso ter dinheiro extra. Apenas amigos ou familiares que funcionem como anjo da guarda e nos disponibilizem, a custo zero, uma casinha, um abrigo, um sítio. De preferência num local privilegiado. 

A Gi .
É o meu caso que tenho uma amiga que me obriga a ter a todo o ano a chave da sua casinha especial. Para mim, de férias. 

É a nossa casinha, não é minha, diz a Gi com ar afirmativo. Abre muito os olhos e ameaça cortar relações se eu deixar dinheiro, comprar papel higiénico ou limpar a casa durante os dias que lá passo. Claro que transgrido. Por causa das limpezas, raspei o cabo da vassoura no olho... 
Há poucas pessoas assim mas eu tenho a sorte de ter algumas na minha vida. 

A casinha dela é um must de modernidade e bom gosto no meio de um bairro de pescadores e alguma lumparia que, felizmente, a classe média que ainda tem dinheiro para férias desconhece.

A casinha.
A casinha tem tudo o que gosto. 

Que passa por não ser um condomínio fechado com piscina, muitos seguranças e muitos BMWs à porta.
   
Ali há vizinhos reais, velhotes que nos vigiam e dão por qualquer acontecimento fora do habitual. 

Há tascas de peixe, de antigos pescadores, que grelham e servem almoços buffet a 10€, tudo incluído, peixe delicioso vindo directamente do mar de manhã 

O Ivomar.
Há gente na rua de manhã até à noite mas também sossego para olhar o rio e o mar ao longe a ouvir música.

Dá para não mexer no carro e ir ao centro da cidade desde que queiramos andar umas centenas de metros a pé. E eu quero.

Desce-se o Viso, atravessa-se o Tróino, sempre entre ruas estreitinhas feitas de casario antigo e cheias de povo que fala alto e olha para nós com curiosidade, chega-se à baixa, onde há tudo. 

Volta-se pelo mercado do Livramento, um dos melhores que conheço onde a dificuldade é não comprar tudo, da fruta e legumes ao pão e ao peixe. Ai o pão! E as azeitonas!

Há homens em grupos à volta do mercado, de pé e nos bancos da avenida, em cafés e tascos. Não dá para não comparar com as cidades do mediterrâneo ou árabes que conheço.

As praias ali perto implicam transporte mas consegui reduzi-lo ao mínimo caminhando uns quilómetros largos todos os dias como gosto. 

As praias são de areia branca e limpa, montanhas verdes atrás e água transparente, muitas vezes fria. Gosto dali, gosto muito, traindo a minha origem algarvia e teimando que prefiro aquelas praias que também acabam por nos nos levar ao Sul.


Talvez todos os sítios sejam bons se gostamos, se nos identificamos, se estamos bem. 
Eu estive bem.

Quando cheguei a casa, centenas de mosquitos pequeninos tinham invadido a cozinha por causa dum kiwi esquecido que apodreceu. Foi a minha caixa do correio. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Embaralhado emaranhado.

Setúbal. Domingo de manhã cedo, o rio e o mar avistam-se como um espelho prometendo calor à tarde. 


Quando saio há uma neblina fresca que me dá jeito por causa do olho magoado. Sigo por uma rua desconhecida no percurso do Viso para o centro da cidade. 
Deparo-me com uma quadra popular de pobres protegidos por uma nossa senhora da saúde que encontro logo à frente. Sobe e desce de ruelas e becos que depois se tornam planos. 
Há qualquer coisa de Nápoles, ruas estreitas dominadas pela Camorra, e de Nice antiga, nestas ruas meio lúmpen. Mistura de casas restauradas e em degradação, roupa estendida, rádios ligados, conversas baixas que os homens dormem ainda. Estes, há os velhos engordados apesar do peixe e os novos tostados do sol, magros, muita tatuagem e pulseiras que denunciam maus caminhos passados e presentes. 
Ainda não são dez e pouca gente passa. Se fosse de noite, teria algum receio mas o truque é, tal como em Nápoles, fazermo-nos locais, havaianas e calções, nada no bolso ou nas mãos, que o tempo de Verão permite.
O centro está vivo de esplanadas e gente que vai e vem do mercado. Não está morta esta cidade. Dá gozo um passeio descobrindo cantos e encantos. Segui propositadamente pelas vias secundárias, menos cuidadas e mais pobres. No pensamento, a parecença com outras cidades do Mediterrâneo já percorridas. O mar está ali depois. Os montes verdes da serra ao longe ajudam a gostar-se.



27 de Julho