segunda-feira, 30 de junho de 2014

O sul tem o tempo.




Lá longe
Inventei o dia azul
E o desejo de partir
Pelo prazer de chegar
Ao sul
Cada um tem a sina que tem
Os caminhos são sempre de alguém
ao Sul *


O sul tem o tempo, disse a minha amiga com o seu tom filosófico, logo na primeira conversa de fim da tarde, sentadas ao sol fresco do fim do dia. Isto perante o meu inebriamento face à luz, a cor, os cheiros, a beleza envolvente, a calmaria sem horas.

O sul tem o tempo, o norte tem as horas. Repetia ela, acrescentando que não se lembrava de quem disse isto. Um pensador, um filósofo de que não se lembrava do nome. A minha amiga é de Filosofia.

Eu fiquei a pensar na poesia da expressão. O sul tem o tempo. Fiquei a pensar no significado da frase. Em como é assim, realmente. O sul é o tempo, o norte as horas.

O tempo. Um vagar azul rosado pairava no ar. Eu esforçava-me por estar quieta, sem fazer nada a não ser conversar, ouvir, olhar o horizonte, beber a limonada ácida. A pensar que se estivesse em Lisboa, estaria na hora do jantar, da televisão, dos telefonemas, dum compromisso qualquer.

Ali não.Queria absorver o tempo do sul.

Tinha saído de Lisboa precisamente com esse objectivo. Direcção Sul, Algarve. Não ía para perto do mar. Iria ficar antes, depois da serra, no barrocal.

Gosto de sair a guiar, sozinha, música escolhida, dia azul, compromissos deixados atrás, a liberdade de ir estrada fora…

Parei na estação de serviço de Grândola. Bebi um café. Voltei à auto-estrada. Os quilómetros até Almodôvar quase sem ninguém. À volta só havia planícies douradas. E cegonhas. Muitas cegonhas. Não me lembro de as ver por ali, dantes. Uma rasou o carro.

Foto de VLuís 
Como pude afastar-me tanto do sul? 
Fui passando por placas de sítios que lembraram o passado, anos longínquos, memórias de bocadinhos de vida boa quase esquecidos.

De repente, reparei que o António Zambujo cantava “Ao Sul”. Coincidência?

“Lá longe / inventei o dia azul / E o desejo de partir / Pelo prazer de chegar / Ao sul / Cada um tem a sina que tem / Os caminhos são sempre de alguém / ao Sul”

Gomes Aires, Almodôvar, gosto destes nomes, sempre gostei. Como seriam actualmente? Pensei que o regresso seria por lá, por dentro daqueles sítios, por dentro daquelas terras.

De repente, já estava na Serra do Caldeirão. Ao longe, por entre os montes, à direita, o maciço da Serra de Monchique, um recorte ténue mas firme.

Que saudades do sul. O desejo de partir inventado. O prazer de chegar anunciado. A minha sina. Cada um tem a sina que tem. Os caminhos são sempre de alguém. Sempre. 

Os caminhos são sempre de alguém
Olhei para a esquerda, os montes baixos do Caldeirão, aspros, secos. A estrada antiga de cujos cheiros me lembro. Tantas vezes paramos para eu vomitar, enjoada das curvas sem fim. Do Barranco do Velho para cima. Janela aberta para ver se passava o enjoo. O meu pai travava em cima da curva e o fumo do cigarro sempre aceso atingia-me em cheio. A janela aberta para inspirar o cheiro a eucalipto, a medronho, a mato. O cheiro da serra. Ainda não sabia que o tempo era do sul.

Nem agora, serra ultrapassada com a facilidade das três vias de auto-estrada, velocidade a mais, o carro segue embalado. A vida também seguiu embalada, rápida, nas horas do norte.

Repeti “Ao Sul”, a música desta viagem, por um acaso. Deste texto.

“Ao sul / à procura do meu norte / Subo as águas desse rio / onde a barca dos sentidos / Nunca partiu”.

De barranco em barranco, já passava o de Odelouca. O meu destino quase.
Demorou de menos esta descida. Cheguei cedo. Foi o carro que embalou, a estrada deserta, o céu azul, a terra é vermelha.


Saí do carro. Tudo era verde de tantas alfarrobeiras e figueiras à volta. O cheiro. O cheiro. Ah, quanto tempo. Mas isto é tão isolado, já não me lembrava deste barrocal em pleno, amiga. Desculpa mas não notas o cheiro, os cheiros?

A minha amiga ria-se. Estás espantada. Rimos. Estou espantada. Porque não vim antes? Não consegui encontrar resposta.
Isto foi antes de saber que o Sul tem o tempo.

Fora das horas do Norte, passei dois dias, com tempo. Noutro tempo, sem horas. Com outras pessoas, outras cores. Conversas com tempo à mesa, sem mesa, ao sol, com vento, no sul.

Dali não se vê o mar. Foi a primeira vez que fui ao Algarve e não vi o mar, pensei.

Foi preciso voltar. Custou. O Norte tem as horas. O Sul tem o tempo. E as bungavílias…

Decidi prolongar o Sul. Saí da auto-estrada em Almodôvar.



Meti pelo meio do Além Tejo, Alentejo, os pensamentos cheios, um turbilhão calmo de novas hipóteses, da possibilidade de outra vida.
A música e a voz do Zambujo. Ao Sul.



Castro Verde, planícies douradas, Aljustrel, minas fechadas, Ervidel, campos de girassóis, Ferreira do Alentejo, árvores que voltam e mais umas curvas, só paro no Torrão. O Torrão de barras azul forte. O Sul a ficar sem tempo. Alcáçer ainda é sul, apesar do sal.



Reentrei na auto-estrada. Voltei ao Norte com o Sul na alma.

* de João Monge e João Gil

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A discriminação silenciosa das mulheres.

Só posso falar do que conheço. Do trabalho das mulheres, quadros de empresas, com cargos de responsabilidade, chefias ou não. Do que vivi.

A discriminação é feita no dia-a-dia. E, sobretudo, nos níveis superiores, no topo, ou naquilo que é topo para as mulheres.

Como? Antes de mais, sendo sempre a opinião delas menos considerada ou até ignorada. Se é mania da perseguição? Não. No turbilhão do dia-a-dia, quase não notamos. Terá sido, afinal, apenas um mal-entendido, tendemos a pensar?

Quando paramos e olhamos para trás, reflectimos e analisamos objectivamente é que percebemos. 

Muitas mulheres, perante o protesto face a certas situações que acontecem por se ser mulher, acham que é exagero de pessoas fundamentalistas do género "lá estas tu com essas coisas". 

Pois é. As mulheres são fantásticas trabalhadoras mas não têm passado disso mesmo.

Os números referentes à participação de mulheres nas administrações de topo das empresas cotadas em bolsa são ridículos.

Dados de 2013, evidenciam que, apesar das mulheres serem 55% da população activa, só 7% se encontram em conselhos de administrações de empresas em Portugal. 

Nas empresas que compõem o PSI 20, ou seja, nas principais empresas cotadas em Bolsa, em 240 administradores só 15 são mulheres.

Na Administração Pública, onde parece haver mais paridade no acesso ao poder, apenas 21% exerce cargos de gestão. 

Não tenho números sobre o Ensino mas julgo que aqui o número será menos mau. Ou então o número será maior apenas em quantidade de professoras. 

Na última escola onde a minha mãe deu aulas, havia 20 mulheres professoras e um homem professor mas este é que era o director.

Nas áreas de engenharia, apesar do crescimento de licenciadas, o número é de apenas 5%.

Não falo aqui da grande maioria das mulheres que trabalham desalmadamente em trabalho não qualificado, indiferenciado, doméstico, no campo ou em fábricas, nos balcões, nos bares, em todo o lado. Afinal, são 55% da população activa. 


Nas empresas de áreas como a consultoria e as tecnologias de informação, que tiveram um grande crescimento nos últimos vinte ou vinte e cinco anos, geridas pela geração nascida nos anos setenta, pratica-se a meritocracia.

Essa é a resposta-tipo quando questionados sobre o pouco acesso das mulheres às decisões de gestão e aos cargos de topo. É uma treta. 
Nessas empresas, existem clubes de amigos que podem ter um mau desempenho infinitamente sem nunca ser penalizados. 

A meritocracia pressupõe uma avaliação com base no mérito, no desempenho, face a objectivos bem definidos e aprovados por ambas as partes. 

Inspirados pelos modelos americanos de progressão rápida, neste tipo de empresas, generalizou-se a ideia falsa de que seria possível ser reconhecido pelo mérito. Não é verdade e esse modelo tem vindo a demonstrar-se um logro.

Mas essa é a resposta preferida dos jovens gestores que ficam em pânico perante a perspectiva da presença das mulheres poder estragar o clube de comparsas cujo pico orgásmico são umas noitadas futebolísticas ou uma prova de vinhos exorbitantes acompanhados de umas charutadas num restaurante de luxo.

Confesso que, apesar de tudo, prefiro as empresas clássicas, também maioritariamente geridas por homens mas onde se sabe com o que se conta e onde um certo cavalheirismo dos mesmos permite que o ambiente seja mais afável. Ainda que existam, de vez em quando, uns assédios chatos que as mulheres, se quiserem, conseguem contornar.

Este parágrafo é suficiente para as velhas feministas se zangarem.
Tive o meu tempo de leituras inspiradoras como os livros de Naomi Wolf, por exemplo, que me marcaram.


Em todos os casos, sempre há uma excepção que confirma a regra intransponível. 

Na velha indústria, havia uma mulher directora de uma fábrica. Nas empresas modernas, sempre a inovar, arranja-se um exemplar para adornar o grupo e responder às cotas que a Europa começa a exigir. 


O problema é que estas excepções são em geral mulheres que adoptam o comportamento mais radical dos machos mais fundamentalistas, tornando-se mais papistas que o papa. E com requintes de malvadez.

Enquanto mulher independente, que dependo só de mim e do meu trabalho, fui vivendo a evolução das mulheres ao longo destes últimos 30 anos. 

Fui educada a não ser subserviente e a pensar por mim. 

A minha geração viveu a explosão da liberdade a todos os níveis, conquistas das mulheres, aqui e no mundo. Uma liberdade incrível. Uma curiosidade imensa. A descoberta de todas as possibilidades, de todas as utopias.

Vivemos a entrada em força no mercado de trabalho em suposta igualdade de condições. Vivemos o ser mãe sem restrições trabalhando ao mesmo tempo, sem complexos. 

Não me lembro de pensar numa carreira. As coisas iam acontecendo. A trabalhar por gostar. A construir. A aprender e a fazer. 

A obsessão com a carreira vem precisamente na geração seguinte, os nascidos nos anos 70. Com a implantação em pleno do capitalismo, com as suas empresas e mercados, as suas pseudo meritocracias e outras teorias do género, que foram encurralando silenciosamente o caminho histórico percorrido pelas mulheres. 

A vivência e a memória das conquistas obtidas pelas mulheres vão-se esbatendo à medida que as gerações mais velhas são postas de parte ou desaparecem.

Por isso, há quem não se indigne com as noticias sobre empresas que exigem que as mulheres não engravidem durante 5 anos. E outras humilhações e atentados aos direitos básicos.
Isto faz saudades do feminismo e dos anos 60 em que se queimavam soutiens em protesto contra estes, considerados símbolos de opressão.

A crise e a falta de emprego não podem ser desculpas para aceitar tudo. 

terça-feira, 17 de junho de 2014

Futebol.

Ontem estive "fora de serviço" por causa duns exames médicos que fiz. Correram bem, tudo ultrapassado. Deitei-me com as galinhas e hoje espero voltar a ter a energia habitual, trabalhar e dar conta do recado.

Durante o regresso do hospital, uns 15m de carro, a Alemanha meteu três golos. Em casa, televisão ligada, ainda vi o 4º golo, tal como a cena do Pepe e o péssimo jogo da selecção. 
Ainda durante o jogo, meia grogue, deixei-me dormir...

Sempre achei que Portugal não tinha hipóteses. Não falei antes disso aqui porque não falei do tema e nos últimos dias tive outras preocupações mais vitais.
Claro que desejava, como todos os portugueses, uma vitória, ou um empate, nem que fosse para chatear a Merkel, presente no estádio.

Mas tanta conversa em torno do deus Ronaldo, das toilletes dos rapazes, do bigode do Hugo Almeida, dos carros, da decoração dos quartos, do histerismo das fãs, de reportagens sobre o irreportável, advinhava pouca concentração no trabalhinho. 
Para que são pagos a peso de ouro. Por nós. 

Desculpem, mas naquele nível de profissionalismo, não é aceitável que o Pepe, essencial para a equipa, vá dar uma cabeçada ao Muller por um acesso de raiva do momento. 
Se compararmos com o trabalho de qualquer um de nós, não o poderíamos fazer ao primeiro colega que nos irritasse, certo?

Na equipa alemã, não há cortes de cabelo esquisitos, nem nada do resto. São todos iguais, branquinhos, da mesma altura, magrinhos, boring, mas profissionais. Tudo certo e limpo, sem espinhas.

Parece que a equipa dos EUA também não está nada mal e marcou no 1º minuto. Todos já vimos este “filme” mas insistimos em não aprender.

Fazer diferente. Eu gosto do Paulo Bento mas ontem não esteve bem como líder que deve ser. No meio da minha dormência, ainda ouvi o Tony falar no jornal da noite da SIC, muito bem. Vamos esperar que tomem juízo e invertam a situação. Que trabalhem em equipa. O futebol é um trabalho de equipa, caramba!

Porque a malta precisa de ânimo para continuar. E o futebol é um belo ópio para esquecer os dramas do dia-a-dia.

Enquanto isto acontece, no mundo cresce a guerra e dão-se factos preocupantes. E, neste nosso Portugal esfrangalhado, o governo insiste em medidas no caminho do aumento da desigualdade e da pobreza de quem já o é. E nós a ver futebol. E reportagens da treta.

Na noite de domingo para segunda, tive que estar acordada a beber uns litros dum remédio, até cerca das 4h e tal. Fui fazendo zapping pelos canais de televisão porque não conseguia concentrar-me para ler. 

Estive umas horas a ver uma excelente reportagem sobre o Brasil no canal Aljazeera. Daquelas em que aprendemos coisas, história, economia, situação actual. Muito bom. 
E uma excelente reportagem sobre os veteranos americanos que voltam do Iraque queimados, sem pernas e sem braços, sem orelhas, estropiados, com trinta anos ou menos e têm que continuar a viver. 

Os canais portugueses, pelo menos aí entre a 1h e as 2h, estavam todos no Mundial ou em telenovelas. Uma excepção para o Observatório do Mundo na TVI 24 onde vi a reportagem dos veteranos, pelas 4h.

Acabo de ouvir na rádio um dos nossos jogadores a dizer que têm que parar para reflectir. Pois acho que têm reflectido demais e o melhor é treinar muito e muito, já hoje.

Eu também tenho que recuperar o tempo perdido e trabalhar uma vez que dependo só de mim mesma. Bom mesmo é ter saúde para o fazer!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Escrever um livro.

Quando fiquei sem emprego, alguns amigos e conhecidos sugeriram que escrevesse um livro. 
Estariam preocupados como iria passar o tempo? 
Quando digo que não, alguns respondem “mas tu escreves tão bem!”.

Felizmente, tenho um filho suficientemente crítico para, logo na altura, me ter dito precisamente o contrário “Não te vais pôr em casa depressiva a escrever um livro como todos os desempregados, certo?” 


E quando me atrevi a criar este blogue, apenas para ver o que era capaz de escrever, sem qualquer pretensão para além de fazer algo que gosto, avisou-me que nunca iria ler porque eu não escrevia bem. Acho que nunca leu nada.

Ainda assim, capricorniana que sou, não desisti do Tripolar e de me obrigar a escrever regularmente textos num blogue que, sem o peso da ficção, funciona como ensaio e gozo próprio.

Principalmente por gostar realmente de escrever. Gosto e é algo que me apetece fazer.
No entanto, tenho a noção das enormes lacunas literárias que uma vida absorta num trabalho de gestão operacional não ajudou a colmatar, apesar de sempre ter lido bastante. Mas tenho enormes falhas nos clássicos, especialmente, nos russos.

Outra razão é porque me alivia as irritações várias. Como não toco bateria nem dou murros num saco de boxe, escrevo o que me vai na alma. E sinto-me melhor depois. 
Ando uns tempos com um assunto na cabeça e há um momento em que tem que ser e torna-se a minha prioridade.

Uma terceira razão tem a ver com a parte profissional. Tendo eu que procurar sustento para os anos de vida que me restam (sempre na esperança que não sejam demais) e posicionados os meus serviços na área da escrita para empresas, textos de todo o tipo mas foco na descodificação ou no contar através duma história serviços e soluções destas, preciso criar referências. 

Após 29 anos a trabalhar em comunicação e a escrever coisas para os outros, afinal o que tenho para apresentar assinado por mim?

O convívio com pessoas próximas que têm realmente talento, conhecimentos, memória prodigiosa e obra publicada e reconhecida, permitem “cair na real” e perceber o ridículo que seria pôr-me a escrever um livro. Por isso, já sosseguei várias vezes o meu filho quanto a essa inquietação. “Está descansado que não vou escrever um livro, nem o saberia fazer”.

Mas a sensação de que são mais os que escreveram um livro do que os que não o fizeram assalta-me constantemente. E que o fizeram com uma leveza e facilidade alucinantes. Como e quando o fizeram?

Uma conhecida apresentadora de tv
Uma volta pela Feira do Livro num sábado ao fim da tarde mostra que há quase mais escritores que leitores/compradores. Sentados numas mesinhas, com os livros à frente, o rosto meio envergonhado perante o olhar interrogativo dos passantes.

Outros, olho com veneração por gostar da sua escrita e admiração pelo que defendem.
Fico sempre parada, tentando disfarçar, a olhar o Mia Couto, que acho lindo naquelas camisolas azul-verde mar que lhe fazem os olhos ainda mais claros e a poesia da sua prosa mais admirável.

Mia Couto
Passou por mim, esse senhor que é Eduardo Lourenço, passos pequeninos nos seus mais de 90 anos de vida.

E José Gil, cujo último livro “Pulsações” não comprei por razões financeiras, estava sem ninguém à frente, sentado a uma mesa, o vento fresco a constipá-lo.

Fiquei embasbacada por ali a folhear este seu último livro que aborda temas que tanto me interessam. “Porque é que os portugueses resignam? Porque é que não se revoltam? Porque é que admitem tanta prepotência medíocre dos que os humilham, esmagam, lhes retiram, dia após dia, as energias fundamentais para o país? Mais concretamente: que mecanismos impedem os portugueses de se exprimirem em democracia, permitindo ao mesmo tempo a proliferação da asneira governativa?”

Como gostaria de ler quais as razões que aponta para estas questões.
Mas ponderado o custo do livro versus o meu budget actual, contive-me e saí dali com um aperto de alma.

Também no fim-de-semana, li uma entrevista com Siri Hustvedt, escritora norte-americana casada com Paul Auster em que esta diz ler quatro livros por semana.

Siri Hustvedt
Em meses bons, consigo ler dois livros por mês, noutros, a maioria, leio um em dois meses. É preciso ler muito e muito para escrever algo decente. Aliás, é o que ela diz, que só lê e escreve. Lê 4 a 5 horas por dia…

Escrever é muito difícil. Por exemplo, já refiz este texto várias vezes, a cada revisão mudo muitas coisas e não me agrada.

Para além da capacidade de criar e contar uma história atraente para o leitor, é preciso trabalhar a estrutura e as personagens. Investigar, escrever e reescrever. Trabalhar muito. 
Um trabalho a tempo inteiro.

Trabalhar muito
No entanto, nesta nossa sociedade de facilitismos, aparecem editoras, como a Chiado, com apelos muito profissionais no Facebook, para envio de livros para eles avaliarem. 
Qualquer pessoa pode escrever um livro e publicar. Em 10 dias apreciam e respondem. 

Havia comentários de muita gente interessada, entusiasmada, a sonhar já com a sessão de lançamento e o momento de partilha dos poemas ou livro escritos.

Sem querer cortar sonhos, pus só lá um curto comentário, rapidamente retirado, pelo menos, não o consegui reencontrar: “Preparem o dinheiro para suportar a edição e para nunca mais ter retorno”. 

Não sei de nenhum livro que tenham rejeitado... O custo da produção e da impressão é suportado pelo autor. A distribuição deles não existe. Quanto aos 10% em cada venda, não conheço quem tenha recebido.
Nos relatórios, nunca há vendas. Tudo me soa a esquema, envolvido por frases sonantes, escritas com tipagem da moda e colocadas em fundos giros, que têm muitos likes e partilhas no Facebook, criando um ambiente que mistura verdadeiros escritores/autores, reputados, com frases de "La Palice"...




Não, não vou escrever um livro.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Dia D.

Não queria desgastar-me a falar sobre política nem sobre os acontecimentos do dia mas esta decisão do PS esperar 4 meses para eleger quem vai candidatar a secretário-geral do partido parece-me duma enorme irresponsabilidade. 

Confirma a profundidade do buraco que separa esta gente da realidade do país, combinando com a loucura governamental assente em inovar a toda a hora em desrespeito, falta de ética e requintes de malvadez, num caminho para a desconstrução do sistema democrático a que assistimos passivos. 
Reclamam alguns, uma minoria iluminada cuja voz não está a ser suficiente.

Porque, apesar de tudo, a propaganda vai fazendo o seu trabalho. (A este propósito, foi interessante ver a excelente Grande Reportagem passada ontem na SIC sobre a situação na Venezuela, da jornalista Susana André). 
É sempre bom irmos conhecendo os modos de vida para que caminhamos.

Na situação actual, em que alguns ainda acham que Cavaco pode marcar eleições antecipadas (grande flop que serão), o PS vai fazer 4 meses de férias, marimbando para o o país. Os partidos do governo devem rir-se e dizer "cheira a pato".

Hoje celebram-se 70 anos sobre o desembarque na Normandia que, na Segunda Guerra Mundial, viria a marcar o começo da derrota da Alemanha e a salvação da Europa e do Mundo. 

O chamado dia D. 

6 de Junho de 1944, Foto de Robert Capa

Possivelmente, hoje será o dia D do fim do sistema político / partidário tal como o conhecemos. 

Podia ser salvo se a gestão dos partidos representados na AR fosse outra? Não sei mas, enquanto representantes eleitos, foram mandatados para ser responsáveis e têm o nosso destino nas mãos. 

O PS tem aparecido como o único partido político que, dentro do sistema actual, poderia constituir uma alternativa de bom senso e agregadora dos portugueses, apesar do passado, apesar da fragilidade do presente. Penso eu apesar de nunca na vida ter votado neles e não pensar vir a fazê-lo. 


No entanto, preocupa-me o futuro do país/sítio onde moro. Preocupa-me que se caminhe para a possibilidade do actual governo poder ser reeleito apenas por falta de alternativa. Preocupa-me que o PS contribua para a destruição deste país, não pondo em primeiro lugar os portugueses, o que quer que isso já seja. Vão pagar caro.


Mas sobretudo, nós também. Porque não chegámos ao ponto de guerrilha diária da Venezuela e, tendo gente credível e capaz aqui e ali no sistema, não têm oportunidade e tempo de se fazer hipótese de governo. Resta o aparecimento dum populista ambicioso e espertalhão. Os factos mostram que é possível. Porque isso é muito mais fácil do que lutarmos pelo nosso futuro.


Afinal, o Mundial vai começar, o joelho do Ronaldo continua avariado, há montes de festivais e, passados uns dias cinzentos, o azul e a praia virão. E o nosso país é lindo.

terça-feira, 3 de junho de 2014

A época dos três FFF

Estamos na época dos três FFF: Futebol, Festivais e Férias.

Por uns meses, nada mais interessa. Tudo fica adiado. E adiar é não ter que resolver agora.

As eleições para o Parlamento Europeu interessaram poucas pessoas, mais ou menos 30% no caso dos portugueses mas, se olharmos para este gráfico, a maioria dos países europeus não fica muito melhor.

As chamadas ilações destes números foi uma chamazita que passou rápida como tão bem apreciou Pacheco Pereira no seu artigo do Público "Aprenderam alguma coisa? Não aprenderam nada".

Por cá, fora dos três FFF, resta apenas a disputa no PS a desanuviar das coberturas mediáticas dos festivais de música, da selecção e mundial de futebol e das férias que virão em pouco tempo.

Mais do que nunca, devíamos ser capazes de ter uma voz activa nas decisões que impactam a nossa vida e o futuro dos nossos descendentes.

Tenho a sensação que, a cada hora, a cada dia, a cada semana, a cada mês que passa perdemos a possibilidade de intervir...

Tinha pensado escrever sobre a incapacidade dos políticos captarem o interesse das pessoas comuns por comparação com o interesse suscitado por qualquer dos três FFF.

Como podem aprender a chegar às pessoas doutra maneira? Ou devemos dar o caso como perdido? Acho que ainda não.

Existem metodologias que permitem criar empatia e chegar a soluções envolvendo o alvo. Refiro-me ao Design Thinking, por exemplo. Trata-se de um método do design aplicado ao negócio usado para encontrar soluções inovadoras para e com o cliente final. Porque não o aplicam os políticos para fazerem a diferença e alcançarem outros apoios?

Na recente campanha eleitoral, em Portugal, alguns recém criados partidos, como o Livre, iniciaram-se dum modo diferente e envolveram as pessoas, usando métodos que permitem chegar a estas e dar-lhes a possibilidade de ter voz.

Mas espanta-me que, nos grandes partidos, não exista ninguém com experiência em comunicação capaz de aconselhar a fazer diferente.

Torna-se confrangedor ver arruadas de meia dúzia de “gatos pingados” ou comícios no modelo clássico em que apenas assistem os militantes de sempre, ou já nem esses.

No entanto, mais do que nunca antes, existem excelentes suportes de comunicação e meios para chegar às pessoas sem ficar refém das coberturas jornalísticas. Estas continuam a fazer o mesmo caminho clássico que faziam antes. Interrogo-me se por não saberem fazer diferente, por simples preguiça ou por fazerem parte do esquema montado do poder que funciona em circuito fechado.

Há dias um amigo enviou-me um mail com um ficheiro que resumia as 10 constatações que o conhecido pensador americano Naomy Chomsky fez sobre a manipulação das massas.


Foi importante recordar estes pontos só para confirmar como é realmente assim.

Voltamos ao domínio dos três FFF, ou seja, a manipulação pura das massas se usássemos a linguagem de Chomsky.

Estas massas deixaram de funcionar enquanto tal para as questões “distantes” da gestão política dos seus destinos. Anos de propaganda diária com economês, números, impostos, frieza e indignidade, contribuíram para a sua fuga.

Mas continuam a reagir ao emocional, como o futebol ou os festivais. 
Com um exagero despropositado, é certo, face à sua situação de vida. 

Estes temas que apelam ao emocional ligados ao gosto e ao prazer são alimentados, fomentados todos os dias fortemente pela imprensa, sobretudo a televisiva.

Cabe aos políticos, se por acaso quisessem assegurar o seu futuro, aprender a chegar às pessoas de modo diferente. Não falta no mercado metodologias, suportes, soluções para o fazerem. Baseadas quase sempre na necessidade de terem uma atitude de humildade e vontade de aprender... o que não costumam aparentar.

Aconselhava-lhes, para começar, dois livros que li há quase 30 anos, quando comecei a trabalhar em comunicação e revi um destes dias ao limpar o pó da estante, que lhes seriam muito úteis. Não se desactualizaram no essencial.
Abordam a propaganda e a preparação do actor.