domingo, 2 de março de 2014

Desluzido

O domingo é gordo, dizem. Gordo, cinzento e triste, neste caso.

Continua a chover. Queria sair para caminhar um bocado mas sem ficar num pingo. Estou cansada de ficar num pingo.

Parece que ainda mal acabei de almoçar. Instalei-me a ler o Expresso e outros jornais, à espera duma aberta para sair. Oiço a Cristina Branco e a Stacey Kent. 

Reajo à vontade de ficar enterrada no sofá e espreito o céu abrigada no alpendre. 

Continua a chover. Com vento. Volto para dentro ainda sem desistir completamente mas a coisa começa a prever-se complexa. Dava tanto jeito passear, desfazer o almoço e depois voltar para um chá simpático, com bolachas, que marcaria o começo da segunda parte da tarde. 

Volto para dentro mas começo a sentir fome. 
O que foi o almoço? Peixe. O peixe é desluzido, dizia a minha avó. Já o tinha dito eu à mesa quando, em poucos minutos, comi a minha posta de peixe espada grelhada, saudável, com batatas e cenoura cozidas. 



O peixe é desluzido. Outras coisas também. Sempre ouvi esta expressão em casa. 

Numa tarde triste de chuva e mais chuva, num domingo que dantes antecipava folgas curtas e gostosas, fui ao dicionário ver o que dizia.

Desluzido, escasso ou minguado em peso e medida. Foi o caso! Também deslustrado e depreciado, que tira o brilho.

Confirmei mais uma vez o saber dos antigos. Minha querida avó. Num dia destes, sentem-se saudades. Saudades de ser pequena, brincar pela casa, se chovesse como hoje. 
Depois lanchar à mesa de camilha e braseira, na sala de estar. Café com leite e papo-secos com manteiga e marmelada. Mimos antigos que não voltam.

Volto ao dicionário. Também lá estava Desluzir, a seguir ao Desluzido.
Desluzir, desacreditar, depreciar, tirar o mérito.
É o nosso dia-a-dia colectivo, sinto. Sobretudo depois de ler os jornais.
Notícias de Deslusões (não vou ver se existe, invento, afinal, é um dia de lazer / deslazer e podemos falar de coisas pequenas e familiares como palavras e expressões).
As desilusões já eram. Estamos na fase das Deslusões. Estamos desluzidos, escassos e minguados...  








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